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Quem foi Milton Santos e quais foram as ideias do geógrafo brasileiro

Considerado um dos maiores nomes da Geografia mundial, o intelectual negro criticava a globalização e apresentou uma nova forma de encarar os territórios

Por Julia Di Spagna
Atualizado em 15 ago 2023, 10h33 - Publicado em 9 ago 2023, 13h03

“Eu creio que é difícil ser negro e é difícil ser intelectual no Brasil. Essas duas coisas, juntas, dão o que dão, não é? É difícil ser negro porque, fora das situações de evidência, o cotidiano é muito pesado para os negros. É difícil ser intelectual porque não faz parte da cultura nacional ouvir tranquilamente uma palavra crítica.”

A frase é de Milton Santos – um nome que, com certeza, você já ouviu nas aulas de Geografia ou leu em algum livro dessa disciplina. Afinal, o brasileiro é considerado o maior geógrafo do Brasil e um dos mais importantes e respeitados do mundo. 

Abordando questões como globalização, urbanização em países subdesenvolvidos, a influência do território sobre as pessoas, Milton Santos revolucionou o estudo da Geografia no país. Em vez de tratá-la de forma isolada, ele relacionou a área a campos mais amplos, como sociologia, economia e política. E seu trabalho não passou despercebido: o especialista conquistou reconhecimento nacional e internacional​,​ principalmente com seu trabalho desenvolvido ​fora do​ Brasil durante seu exílio itinerante na época da Ditadura Militar.

Hoje, mesmo passados mais de 20 anos da sua morte, sua obra ainda é atual e suas ideias são referência dentro e fora das universidades, influenciando novas teorias e estudos da Geografia. 

Início da trajetória

Milton Almeida dos Santos nasceu em 3 maio de 1926 em Brotas de Macaúbas, na Bahia. ​Filho de professores primários, formou-se em Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 1948, mas não chegou a exercer a profissão: por já se interessar desde a adolescência por Geografia, decidiu dar aulas da disciplina em Ilhéus, no litoral baiano. 

Milton Santos na formatura de direito na Universidade da Bahia, 1948
Milton Santos na formatura de direito na Universidade da Bahia, 1948 (Acervo Familiar/Itaú Cultura/Ocupação Milton Santos/Reprodução)

Além de professor, Milton trabalhava como jornalista e foi correspondente do jornal A Tarde, de Salvador. Em 1956, tornou-se professor na Universidade Católica da Bahia e, pouco depois, foi convidado para um doutorado na Universidade de Estrasburgo, na França, onde completou os estudos com uma tese sobre o centro da cidade de Salvador. Quando voltou para o Brasil, no final dos anos 1950, fundou o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais da UFBA, ativo até hoje. 

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Por sua notoriedade como jornalista e estudioso, Milton Santos também passou a se envolver na vida pública. Sua proximidade do então presidente Jânio Quadros, lhe possibilitou o cargo de subchefe da Casa Civil na Bahia até a renúncia de Jânio, em 1961. Em 1963, se tornou responsável pela política econômica e planejamento da região. Um ano depois, porém, com o início do regime militar em 1964, foi obrigado a abandonar o cargo e a universidade.

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No mesmo ano, Milton Santos foi preso pelo governo militar e ficou detido por meses em um quartel. Lá, teve um princípio de acidente vascular cerebral (AVC), e acabou transferido para prisão domiciliar. Um tempo depois, com a ajuda de contatos na França e do reitor da UFBA, Miguel Calmon, conseguiu uma vaga para ser professor na Universidade de Toulouse, na França, durante um semestre.  

O que seriam seis meses longe do Brasil se tornaram 14 anos. 

Exílio na ditadura e volta ao Brasil

Milton Santos viveu em exílio por conta da ditadura de 1964 a 1977. Nos primeiros anos, ele morou na França e atuou como professor convidado em instituições renomadas, como Toulouse, Bordeaux e Paris-Sorbonne. Em 1971, começou um período itinerante no qual se tornou pesquisador em Toronto, no Canadá; Cambridge, nos EUA; Lima, no Peru; Caracas, na Venezuela; e Dar-es-Salaam, na Tanzânia. Nessa época, sua carreira foi fortemente influenciada pelas viagens e experiências internacionais. Assim, desenvolveu novas perspectivas na Geografia. 

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Em 1977, Milton retornou ao Brasil. Por conta de suas posições críticas em relação à geografia, ele teve dificuldades para voltar a lecionar em uma universidade brasileira. Somente depois de dois anos no país, que conseguiu uma vaga na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1983, virou professor titular de Geografia Humana na USP, onde continuou fazendo pesquisas, publicando estudos e orientando estudantes, mesmo após sua aposentadoria, em 1995. Da mesma instituição, recebeu o título de Professor Emérito em 1997.

Milton faleceu em São Paulo, aos 75 anos, vítima de câncer, no dia 24 de junho de 2001.

As ideias de Milton Santos

Como já mencionado, Milton Santos revolucionou o estudo da Geografia. O conhecimento que adquiriu em pesquisas no Brasil e no mundo, assim como os cursos, os debates dos quais participava e conversas com outros pensadores, ajudaram a fundamentar cientificamente suas ideias, ampliando as percepções da academia e influenciando ativistas e estudiosos até hoje. Ao longo de sua carreira, foram cerca de 40 livros publicados. 

Ele encarava a geografia para além das paisagens e dos territórios, mas como uma ciência para entender a influência do espaço físico na vida das pessoas. Para ele, “espaço” não era apenas um ponto no mapa, mas o resultado de um conjunto de fatores históricos, culturais, tecnológicos, éticos e econômicos; e algo necessário para entender as sociedades. Ou seja, ele conseguiu tirar a Geografia de uma espécie de “bolha”, criando relações com outros campos de estudo. 

Entre outros temas, posicionou-se sobre política, movimentos sociais, educação, racismo, demografia, migrações, capitalismo, geografia urbana como um todo e a importância da cidadania no Brasil.

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Milton Santos recebe o título honoris causa da Universidade de Barcelona, 1996.
Milton Santos recebe o título honoris causa da Universidade de Barcelona, 1996. (J.B.Conti/ Itaú Cultura/ Ocupação Milton Santos/Divulgação)

Milton também se dedicava ao estudo dos países subdesenvolvidos, incluídos no chamado “Terceiro Mundo”, analisando os processos e as estruturas de urbanização e o motivo da pobreza nessas regiões. Para ele, uma vez que essas nações se unissem dariam um novo sentido à humanidade, com mais igualdade e menos injustiças.

Além disso, o geógrafo se debruçava sobre o território brasileiro, explorando as suas principais características e até propondo uma nova regionalização do país, dividido em quatro grandes regiões, os “quatro Brasis”: Concentrada, Centro-Oeste, Nordeste e Amazônia.

Milton Santos também foi um forte crítico da globalização. Suas ideias sobre o tema ficaram conhecidas internacionalmente e ele se tornou um dos maiores teóricos sobre o assunto. Para ele, era impossível criar um mundo globalizado sem gerar desigualdades. No livro “Por Uma Outra Globalização”, por exemplo, dividiu a globalização em três vieses:

  • “globalização como fábula” (como ela nos é contada);
  • “globalização como perversidade” (como ela realmente acontece);
  • e “globalização como possibilidade”, descrevendo uma outra globalização, que poderia ser transformada.

Outro tema abordado pelo geógrafo foi o preconceito racial. Um dos pontos que ele levantou foi os desafios de ser um intelectual negro no Brasil, separando as duas identidades de forma interseccional: a dificuldade de ser um intelectual, mais a dificuldade de ser negro. “Tenho instrução superior, creio ser uma personalidade forte, mas não sou cidadão integral. O meu caso é como o de todos os negros deste país”.

Assim, escreveu textos sobre a negritude no país e o racismo como um todo. Para ele, era fundamental engajar-se no tema. “A luta dos negros só pode ter eficácia se forem envolvidos todos os brasileiros: Não cabe só aos negros fazer essa luta. Ela tem que ser feita sobretudo por todos”, afirmou.

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Uma outra prioridade de Milton Santos era romper a bolha do “mundo intelectual”, das palavras difíceis e da academia, tornando o conhecimento sobre a área mais acessível para quem ele tentava estudar e retratar em seus livros: o povo brasileiro. 

Com a sua formação em Direito, e sua atuação como jornalista e como intelectual público, Milton destacava a importância de analisar criticamente a sociedade e provocar mudanças. Segundo o professor, sempre foi uma responsabilidade dos intelectuais apontar um futuro melhor para toda a sociedade. 

Prêmios e reconhecimentos 

O trabalho de Milton foi reconhecido nacional e internacionalmente. Em 1982, o geógrafo recebeu seu primeiro título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Toulouse, na França – ele receberia a mesma honraria de mais seis instituições internacionais e 12 brasileiras.

Já em 1994, ele foi vencedor do Prêmio Vautrin Lud, considerado o “Nobel da geografia”, ou seja, a maior premiação da área, sendo o único latino-americano a receber a distinção. 

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Em 1997, ganhou o Prêmio Jabuti na categoria melhor livro de Ciências Humanas com a obra “A Natureza do Espaço”. 

Exposição em São Paulo

Recentemente, o geógrafo ganhou uma exposição chamada “Ocupação Milton Santos”. Promovida pelo Itaú Cultural, a mostra apresenta mais de 150 peças, entre fotos, vídeos, textos, livros, depoimentos e objetos pessoais, que permitem um aprofundamento em sua história e seus estudos. 

Com entrada gratuita, a “Ocupação Milton Santos” está em cartaz no Itaú Cultural, na Avenida Paulista, em São Paulo, de terça a domingo, até 8 de outubro.

Veja algumas das obras de Milton Santos:

 

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