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Refugiados, Zé Ramalho, racismo e Machado de Assis são temas do Enem

Conhecimentos indígenas, escravidão e erotização do corpo feminino estavam entre os temas abordados. Pandemia e ditadura militar não foram assuntos da prova

Por Giulia Gianolla
Atualizado em 22 nov 2021, 21h02 - Publicado em 21 nov 2021, 17h11
Enem 2021 temas
 (Pinterest/Divulgação)
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A prova do primeiro dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021, aplicada neste domingo (21) em todo o país, trouxe questões sobre refugiados, racismo, questões indígenas, erotização do corpo feminino, o filme Antes do Amanhecer e a música “Admirável Gado Novo”, do cantor Zé Ramalho.

Rodrigo Magalhães, professor de Geografia do Colégio e Curso AZ, que fez a prova, apontou a ausência de alguns temas da atualidade, como a pandemia e geopolítica internacional (conflitos na Europa e Oriente Médio, por exemplo), e da temática do clima, que costuma aparecer no exame. Também não surgiram questões que fizessem referência direta à ditadura militar ou reforma agrária. Na última semana, houve incerteza sobre os temas que seriam ou não abordados no Enem por conta da suposta intervenção do governo Jair Bolsonaro nas temáticas da prova.

Sobre o nível de dificuldade do exame, Rodrigo Magalhães achou a prova em um nível geral médio, com algumas questões fáceis e poucas questões difíceis. Entre os temas abordados, estão: escravidão, questões ambientais, uso da água, capitalismo e divisão internacional do trabalho, indústria e modelos de produção, espaço urbano, espaço agrário, geografia física, agentes externos do relevo e cartografia.

Entre outros destaques da prova, segundo o professor, está uma questão sobre migrações, que abordava refugiados, sua perda da identidade e a dificuldade de inserção no novo país, e uma sobre como o conhecimento indígena de sementes no cerrado que auxilia na produção agrícola.

Daniel Perry, diretor do Curso Anglo, disse ao GUIA que a prova manteve o padrão dos últimos anos em termos de habilidades cobradas, fugindo de polêmicas, mas dialogando temas da atualidade. “O racismo apareceu em mais de uma questão, sendo que uma delas abordava discriminação racial no futebol. Nela, usava-se como exemplo o caso da culpabilização do goleiro Barbosa, que era negro, pela derrota brasileira na Copa de 1950. Outra questão falava sobre o aumento da população carcerária no país, indicando que há uma predominância de jovens negros e pobres dentro desse grupo. Segundo Perry, houve uma boa diversidade de temas, mas a temática negra esteve presente em diversas áreas do conhecimento e em diversos momentos da prova.

Gabryel Real, gerente de Processos Avaliativos do SAS Plataforma de Educação, disse ao G1 que uma das questões trazia um trecho de “Admirável Gado Novo”, canção de Zé Ramalho que fala sobre “massa” e “vida de gado”, considerando o contexto político do ano em que ela foi lançada, 1979, quando o Brasil vivia sob a ditadura militar. Segundo ele, havia também uma questão sobre erotização do corpo feminino, com a ilustração de uma “pin-up” (mulher voluptuosa, vista como sensual), e outra sobre o racismo na Copa de 1950.

Segundo Real, do SAS, outra questão trazia um texto do Observatório da Imprensa e tratava da importância da leitura crítica das notícias, mas sem o uso do termo “fake news”. Na prova de inglês, uma questão fez referência ao livro de memórias da ex-primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, e uma outra trouxe um diálogo do filme Antes do Amanhecer em que mostra o casal Jesse e Celine discutindo sobre como um casal sobrevive a uma viagem de férias.

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Na prova de linguagens, havia quatro questões sobre obras de Machado de Assis que cobravam a interpretação de trechos de “O Alienista”, “Um homem célebre” e “Uma ocorrência singular”. “Sagarana”, de Guimarães Rosa, e “A Nova Califórnia”, de Lima Barreto, obras clássicas da literatura brasileira, também apareceram entre as questões.

O que disseram os estudantes?

O estudante Alejandro Guerrero, 21 anos, de Viamão (RS), achou o grau de complexidade das questões de Ciências Humanas maior do que nos outros anos. “Tiveram várias questões sobre racismo, uma até falou sobre o embranquecimento de Machado de Assis”, comenta.

Alejandro notou uma presença forte da pauta indígena nas questões e cita uma específica, que abordava a campanha “Somos Todos Guarani Kaiowá”. Cita também uma questão sobre notícias falsas e um texto de Machado de Assis.

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O estudante conta que o clima entre os candidatos antes mesmo de entrar na prova era de ansiedade, pela falta de certeza do que seria cobrado. Segundo ele, os últimos acontecimentos sobre a prova, como a debandada da equipe do Inep e o comentário sobre o Enem estar “com a cara do governo”, tornaram a prova atípica. Até o número de participantes presentes na aplicação no seu local de prova foi muito inferior a anos anteriores, conta ele.

Alejandro, que estudou em escola pública e faz curso técnico na área do meio ambiente, notou que nem todo o conhecimento cobrado fazia parte do currículo que teve na escola. “A prova abordava uma série de conteúdos que não são exigidos no ensino médio, alguns até novos para mim. Algumas eram sobre meio ambiente, que eu sabia só porque eu já faço técnico em meio ambiente, mas não tem na grade de ensino do ensino médio”, diz.

Luís Henrique Amaral Silva, 19 anos, de São Paulo, teve outra percepção. Ele estudou em escola particular e no curso Anglo. Ele diz que a prova deste ano foi mais interessante e conteudista do que a anterior, principalmente nas questões de História. “Ano passado, História parecia uma prova de interpretação, sem fazer alusão direta a conteúdos. Neste ano percebi a correspondência mais direta a conteúdos programáticos do ensino médio”, comenta.

No primeiro dia, os 3.109.762 inscritos responderam questões de Linguagens, códigos e suas Tecnologias e de Ciências Humanas e suas Tecnologias, além da redação dissertativo-argumentativa sobre “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. Professores ouvidos pelo Guia avaliaram o tema como “bastante importante e dentro do padrão do Enem”.

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