“A visão das plantas”: resumo e análise da obra de Djaimilia Pereira de Almeida
Neste livro, uma autora negra reconstitui a história da colonização pelo olhar de um colonizador

O livro “A visão das plantas”, da autora Djaimilia Pereira de Almeida, faz parte da lista de leituras obrigatórias da Fuvest 2026, vestibular para ingresso na Universidade de São Paulo (USP). Publicado em 2019, a história é inspirada em um dos personagens da obra “Os pescadores”, escrito pelo português Raul Brandão em 1923.
Para explicar a relevância desta obra contemporânea de autoria negra no vestibular da USP, o GUIA DO ESTUDANTE traz abaixo um resumo do livro, além de uma análise dos principais aspectos da narrativa. Para isso, contamos com a ajuda de Carla Botteon Catai, professora de Gramática e assistente de Redação do Poliedro Campinas.
Confira!
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A história de A Visão das Plantas
Depois de passar anos de sua vida como capitão de um navio negreiro – embarcação para transporte de pessoas escravizadas – Celestino está de volta a Portugal como um homem velho, sozinho, machucado e cansado. Todos os membros da sua família estão mortos de velhice e seu destino é o mesmo.
Todos sabem do seu histórico de crueldade e sua aparência afasta as pessoas de casa – que a essa altura está abandonada e tomada por poeira. Na cidade, ele não é bem visto pelo povo devido ao seu passado, mas Celestino não tem interesse em se relacionar com ninguém, então pouco se importa.
O personagem principal não tem apego ao passado, nem sente remorso pelas atitudes que tomou durante seu tempo no mar. Ele se desfaz da maioria dos móveis e itens que compõe a residência, dando importância apenas para o jardim. Seu presente, calmo e silencioso, se opõe a tudo que ele já praticou e vivenciou anteriormente.
Enquanto o personagem principal tenta deixar de lado o passado, outros personagens aparecem, todos como forma de manter a memória do homem viva, mesmo que ele não se aflija com os atos que cometeu. Um padre deseja que Celestino vá ao confessionário da igreja para ser perdoado por seus pecados. Uma mulher e uma criança assassinadas por ele retornam como fantasmas para assombrá-lo.
O único que parece se importar com o bem-estar e a saúde de Celestino é o jovem Manuel, primo de um antigo conhecido do personagem principal da história. O rapaz aparece em duas ocasiões.
Na primeira, ao levar Celestino para uma festa junina, acaba se perdendo dele. O homem já debilitado pela idade decide ir embora sozinho e, desorientado, cai na rua. Manuel o resgata e leva para casa.
Já na segunda ocasião, o homem leva Celestino para a praia que fica nas redondezas da casa, com a intenção de que o velho se sinta melhor ao ver o mar, local onde passou tantos anos. No dia seguinte, Celestino morre e será enterrado com as flores que ele mesmo cultivou.
É com essa narrativa simples que o livro trás uma questão filosófica: como mãos que antes ficaram sujas de sangue, agora se sujam de terra e fazem florir um jardim tão bonito?
“Em diversos momentos, há inclusive personificação dessas plantas, figura de linguagem central na análise da obra, a qual é construída a partir de uma linguagem poética singela, contrastando propositalmente com o passado sombrio de Celestino.”, explica a professora Carla.
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O narrador de A Visão das Plantas
“A visão das plantas” tem um narrador observador, quase onisciente, que acompanha de perto a história de Celestino, mas sem fazer juízo de valor.
Porém, o próprio Celestino toma a função de narrador por breves momentos, durante fluxos de consciência. Desta forma, o leitor é exposto aos pensamentos e emoções do personagem, a partir do olhar dele sobre si mesmo. Isso permite que a falta de remorso ou arrependimento narrados se tornem ainda mais intensos.
Nestes momentos, o livro se torna a história do colonizador, contada pelo colonizador. Nua e crua, a obra não romantiza o período escravocrata nem torna Celestino um vilão que busca redenção: ele nunca se importou com seus atos e não é no fim da vida que irá se importar.
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O tempo da obra
O livro se passa em Portugal no século 19. A maior parte do livro é narrada em terceira pessoa, com breves inserções no formato de fluxo de consciência, em primeira pessoa.
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Os personagens de A Visão das Plantas
- Padre Alfredo: quer que Celestino confesse seus pecados para ser perdoado e entrar no reino dos céus;
- Manuel: jovem que leva Celestino para uma festa junina e depois para a praia, foi o último a ver Celestino vivo;
- Senhora negra: primeiro corpo a ser jogado ao mar por Celestino, depois que ele joga cal, substância que causa irritação das vias respiratórias, tosse e dificuldade para respirar, no porão do navio;
- Menina holandesa: criança do grupo de holandeses que ajudou Celestino em uma viagem na qual ele estava doente. Após recuperar a saúde, ele mata todos os holandeses e amarra a menina em uma árvore com os olhos vendados, deixando-a no local para morrer.
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As mensagens do livro
A principal mensagem da obra é a injustiça social, e como aqueles que cometeram crimes ao longo da História nunca foram cobrados por isso. O livro não é moralista, não julga, condena ou defende estas atitudes, apenas as expõe da maneira como elas são. De acordo com a professora, isso representa o silenciamento que é cultivado até hoje pela sociedade em relação à colonização e outros genocídios.
“Nas questões do vestibular pode ser realizada uma interdisciplinaridade com a História, a Filosofia e a Sociologia, uma vez que a obra trata da violência colonial e da escravização a partir de uma reflexão ética a partir da subjetividade do capitão.”, elabora.
Além disso, é possível observar uma metáfora de Celestino como colonizador – não apenas enquanto capitão do navio, mas também como jardineiro. Antes de sua chegada, as plantas cresciam livres, e só voltarão a ser quando ele partir.
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A autora
Nascida em Luanda, capital da Angola, Djaimilia Pereira de Almeida é autora de “Luanda, Lisboa, Paraíso”, livro vencedor do Prêmio Oceanos 2019. “A visão das plantas” ficou em segundo lugar no Prêmio Oceanos 2020.
Em 2023, Djaimilia recebeu o Prémio FLUL Alumni, atribuído pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde fez doutorado. Em 2025, recebeu o Prémio Vergílio Ferreira, concedido pela Universidade de Évora, pelo conjunto da sua obra literária.
Os vestibulares da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) incluem “A Visão das Plantas” nas listas de leitura obrigatória.
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