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Análise: redação nota máxima na Fuvest 2023 citou Ailton Krenak

Texto da estudante Gabriella Ferreira Marucci da Silva foi um dos quatorze avaliados como nota 50 pela banca da USP

Por Luccas Diaz
Atualizado em 15 mar 2023, 17h40 - Publicado em 15 mar 2023, 17h12

Na redação da Fuvest, o vestibular da USP (Universidade de São Paulo), o candidato é avaliado de 0 a 50 pontos. Aqui no GUIA DO ESTUDANTE, já mostramos quais são as características gerais da redação, o que não pode faltar no texto, além de dicas para desenvolver um título atraente. Mas nada melhor do que aprender na prática, não é mesmo?

Na Fuvest 2023, somente 14 candidatos conseguiram alcançar a nota máxima na redação. O tema da dissertação-argumentativa foi “Refugiados ambientais e vulnerabilidade social”. Além de reportagens e dados sobre o assunto, a banca disponibilizou textos de apoio dos escritores Graciliano Ramos e Ailton Krenak, além da fotografia Êxodos, de Sebastião Salgado.

Entre os candidatos que “gabaritaram” a redação está a jovem Gabriella Ferreira Marucci da Silva, de 17 anos. A estudante paulista teve uma performance exemplar na Fuvest. Além da redação 50, seu excelente desempenho nas questões lhe garantiu o primeiro lugar no curso de Medicina da USP Ribeirão Preto (FMRP).

Em seu texto, Gabriella cita o conceito de Necropolítica e Capitaloceno – dois termos que ganharam destaque nas discussões sociais, políticas e ambientais dos últimos anos. Além disso, também usou como repertório o autor, filósofo e ativista indígena Ailton Krenak. Confira abaixo a redação na íntegra da estudante e, em seguida, os comentários das coordenadores de redação do Poliedro Curso, Fabiula Neubern e Vanessa Botasso, sobre o texto e as escolhas da estudante.

Redação nota máxima da Fuvest

Título: “Capitaloceno e o refugiado ambiental: degeneração neoliberal e “Necropolítica”

Introdução

O sistema político-econômico neoliberal, difundido no século XXI, substancializa o axioma de máxima reprodução da lucratividade mediante a massificação do consumo neoliberal calcado na superexploração dos recursos naturais e na petrificação da sobreposição do homem ao meio natural para a consolidação do Capitaloceno – signo para a era geológica hodierna na qual a intensificação da presença de poluentes atmosféricos, a fragmentação de ecossistemas e as mudanças climáticas ameaçam não somente a preservação da biodiversidade animal e vegetal, como também a própria sobrevivência antrópica no planeta. Dessa maneira, desdobramentos migratórios forçados em razão da fragilização ambiental, aspecto fulcral da reverberação moderna do Capitaloceno, elegem a alienação do indivíduo na instrumentalização do capital e a desestruturação da ordem democrática.

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O texto se inicia com o conceito de “capitaloceno”, o qual serve, simultaneamente, para antecipar o ponto de vista da autora e demonstrar o argumento de autoridade no qual sustentará sua defesa. Em seguida, no parágrafo de introdução, a candidata apresenta esse mesmo conceito de forma mais clara, relacionando-o à doutrina neoliberal (não sem alguns desvios no trabalho com as informações a ela relacionadas) e indicando a degradação ambiental como um de seus principais emblemas. Esse parágrafo é finalizado com a apresentação dos principais argumentos que serão defendidos no texto, os quais aparecem resumidos em sua tese.

Desenvolvimento 1

“A priori”, o hodierno é permeado pelo viés capitalizante engendrado ao fundamentalismo neoliberal da sociedade utilitarista. Acerca disso, consoante o ativista indígena Ailton Krenak, em ‘’A vida não é útil’’, a reverberação do capitalismo como normatizador do tecido social manifesta a imperatividade do modus vivendus do consumismo material, de modo que o homem, anteriormente inserido nas coletividades agrárias tradicionais, pautadas na visão da natureza como integrante da subjetividade mística e cultural e na utilização dos recursos naturais para a subsistência e para a preservação das gerações futuras, torna-se ensimesmado na lógica mercadológica da perspectiva utilitarista da natureza, na qual a fauna e a flora são meros recursos exploráveis para o progresso materialista da sociedade capitalizada. Nessa perspectiva, o refugiado ambiental, ao se deslocar compulsoriamente do seu meio natural- fragilizado – para o tecido social alienado no apogeu do Neoliberalismo, instrumentaliza-se como homo economicus marcado pelo imperativo do poderio financeiro como símbolo de ascensão social e pela exploração da mão de obra produtiva para obtenção de remuneração rentária irrisória. Assim, reitera-se a coercitividade da visão utilitarista da natureza – intrínseca ao Capitaloceno – em detrimento da interação harmônica homem-meio.

Na primeira parte do desenvolvimento da argumentação, é apresentada numa estrutura padrão de parágrafos dissertativos. Para sustentar seu primeiro eixo argumentativo, que aparece resumido no tópico frasal (ou no primeiro período deste parágrafo), a autora recorre a Ailton Krenak, uma referência que não apenas contribui com a crítica ao “viés capitalizante”, como mencionado pela vestibulanda, mas também se relaciona intimamente com os principais aspectos da proposta de redação. Ao empregar tal referência, a autora do texto consegue detalhar a relação entre o modelo econômico atual e a degradação ambiental, reiterando o primeiro eixo argumentativo apresentado na tese. Além disso, o final deste parágrafo serve para destacar as consequências dessa relação e expandi-la para a crítica às relações de poder e dominação social, operando como um bom recurso coesivo que conecta essas ideias às do parágrafo seguinte.

Desenvolvimento 2

Considera-se, por conseguinte, a vulnerabilidade social do refugiado ambiental – deslocado forçadamente para se inserir na égide do capital da sociedade – é salientada pelo desmonte da cidadania desse estrato social. Sob esse viés, segundo o teórico Achille Mbembe, em “Necropolítica”, nas coletividades hodiernas, a exclusão social sedimenta-se diretamente, com a legitimidade do emprego da violência pelo grupo social hegemônico para a eliminação de uma minoria da população, e indiretamente, com a não fruição das prerrogativas assistencialistas e dos direitos sociais institucionalizados. Nesse sentido, o refugiado ambiental, na migração compulsória, estrutura-se como minoria subalternizada na nova configuração social e é alijado do acesso à cidadania para a manutenção de seu locus social de subalternidade, de maneira que a não fruição de políticas assistencialistas de distribuição de renda, de acesso à educação e à saúde, nas sociedades neoliberais nas quais a consolidação da cidadania plena é determinada pelo elevado poderio financeiro do indivíduo, assegura o cerceamento dos direitos humanitários desse grupo. Desse modo, a normatização do refugiado ambiental como minoria na lógica de exclusão social reitera o desmonte da isonomia social e da cidadania na ordem democrática para a prevalência do status quo de vulnerabilidade social.

Assim como no primeiro parágrafo de desenvolvimento, este segundo mantém a estrutura padrão da dissertação e, ainda, o mesmo recurso argumentativo, que consiste em buscar o convencimento por meio de um argumento de autoridade. Ao detalhar o conceito de “necropolítica”, de Achille Mbembe, a autora demonstra claro domínio da progressão argumentativa em sua redação, pois este conceito serve para que se estabeleça uma relação lógica de causa e consequência entre vulnerabilidade social, dominação social e cerceamento dos direitos humanitários. Cabe destacar que o bom encadeamento lógico no texto é valorizado pelo uso adequado de recursos coesivos, os quais valorizam as passagens entre partes do texto (é o caso de “por conseguinte” ao se iniciar este parágrafo). Desta vez, a autora da redação encerra com relações autorais que demonstram boa compreensão sobre o tema, como é o caso dos efeitos do descaso humanitário sobre a ordem democrática.

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Conclusão

Em suma, o refugiado ambiental emerge no contexto hodierno de degeneração ambiental determinante do Capitaloceno, calcado na égide do capital no Neoliberalismo. Portanto, sua vulnerabilidade social substancializa-se na alienação na lógica de exploração do homo economicus e no desmonte do Estado Democrático de Direito, pautado na universalidade da cidadania, pela consolidação da “Necropolítica”. 

Para encerrar seu texto, a autora conclui com uma síntese das principais ideias desenvolvidas em sua argumentação, bem como dos conceitos-chave em torno dos quais organizou sua progressão argumentativa. Vale destacar a menção à “necropolítica”, que figura, desde o título, como parte das estratégias da autora para assegurar um eixo textual ao longo de sua redação, rica em referências e detalhamentos. Cabe destacar que o vocabulário, antes notório por sua produtividade, deixa a desejar nesta finalização do texto, pois é percebida pouca versatilidade em substituições de termos por seus sinônimos, o que faz com que a autora repita algumas palavras e expressões. No mais, a redação analisada demonstra não apenas um uso autoral dos recursos da linguagem, como também o faz em benefício do aprofundamento na discussão sobre o tema.

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