Como é estudar na 1ª graduação de IA no Brasil, com nota de corte maior que Medicina
Com investimento de R$40 milhões, curso tem supercomputadores, laboratórios de ponta e garante alunos empregados já no primeiro ano

Enquanto para alguns o ChatGPT serve somente para criar imagens divertidas, resolver lições de casa ou resumir textos demasiadamente longos, para outros, ele é objeto de estudo — tão normal quanto aulas sobre equações do 2º grau ou período colonial na escola. Desde 2019, figura na Universidade Federal de Goiás (UFG) o BIA, nome que parece até de gente, mas é sigla para ‘Bacharelado em Inteligência Artificial’. É a primeira graduação focada em IA do Brasil e, pasmem, tem nota de corte maior que Medicina.
Na última edição do Sisu, enquanto para entrar em Medicina na UFG o candidato precisava de 796,99 pontos no Enem, no BIA, a nota subia para 808,57, a mais alta da universidade. A concorrência é grande e os quatro anos de estudos, pesados, mas nenhum dos dois fatores espantam os alunos que ingressam no curso. É claro que alguns atrativos fazem brilhar os olhos: logo no segundo semestre, os estudantes já costumam estar empregados, e ganham salários iniciais na casa dos R$ 5 mil.
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A criação do curso, explicam os professores, foi uma resposta ao mercado, que já sentia os efeitos do boom que as IAs teriam nos próximos anos. “Começamos a ouvir das empresas: ‘não tem profissional disso'”, afirma Telma Woerle de Lima Soares, doutora em Ciências da Computação e diretora-executiva do Centro de Excelência em Inteligência Artificial (CEIA) da UFG. Funcionou: das duas primeiras turmas formadas, praticamente todos deixaram a universidade formados.
Para a professora, criar uma graduação inteiramente focada em IA também foi uma forma de oferecer um aprofundamento maior no tema, já que a tecnologia figurava apenas em cursos tecnólogos, como uma trilha nos cursos de computação ou como uma pós-graduação.
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Quase na mesma época que nasceu o curso da UFG, outros também foram pipocando pelo país, como os das universidades federais da Paraíba e do Paraná, que mesclam Inteligência Artificial com Ciência de Dados ou Engenharia de Software. Na UFG, a ideia é oferecer “pouco de computação e muito de IA”.
Foco no empreendedorismo
Essa filosofia se reflete na grade do curso. As disciplinas de Visão Computacional, Processamento de Linguagem Natural, Aprendizado de Máquina e Mineração de Dados são distribuídas ao longo dos oito períodos. No primeiro, no entanto, o estudante é surpreendido com apenas três disciplinas: Introdução à programação, Lógica Matemática e Empreendedorismo. Ao contrário de muitos cursos da área de exatas ou TI, os temidos cálculos só vem no segundo semestre.

A escolha foi uma decisão consciente da universidade — uma maneira, também, de evitar a evasão. O objetivo desde o início é botar os estudantes no mercado, sobretudo, empreendendo. A mentalidade defendida pelos docentes é que a IA é uma ferramenta que deve servir à sociedade, e é papel dos alunos criar serviços que sejam essa ponte.
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“O aluno da IA não tem que ser só o programador. Ele tem que ter a habilidade de entender o problema, de conseguir conversar com quem tem os problemas. Precisa de uma visão humana e sistêmica de todo o processo”, pontua Telma. Assim, não é raro encontrar graduandos que já abrem o próprio negócio no primeiro semestre.
Um grupo criou nos meses iniciais do curso uma agente de IA focada em alunos de academia. A IA auxilia no acompanhamento dos treinos, controle de frequência, e envia mensagens da academia para os usuários. Em poucas semanas, o serviço foi adotado por uma academia local e hoje já conta com 3.500 usuários.
Essa visão de formar profissionais que saibam tanto programar, quanto dialogar com as necessidades do mundo real, dá o tom do curso. A cereja do bolo é o oitavo período do curso: uma “residência” em IA.
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Inspirada nas residências de Medicina, não há aulas no último semestre e os estudantes devem se dedicar integralmente às 384 horas de trabalho no mercado. “No nosso último período, a gente fica especialista em uma área específica dentro da IA”, explica Hugo Pessoni, 27, já prestes a acabar o curso.
A residência não assusta o estudante que, ao longo da graduação, experimentou outras áreas. Ele trabalhou em projetos de ciência de dados, visão computacional e agora se especializa em TinyML – inteligência artificial para dispositivos pequenos, como celulares e wearables. “Os professores deixam muito claro: experimente. Você pode chegar e falar ‘não estou gostando desse projeto’ e trocar”, conta.
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Desde cedo, os alunos são também incentivados a participar de iniciativas de pesquisa e desenvolvimento em parceria com empresas, órgãos públicos e startups.
Esse dia a dia duplo dos estudantes (na sala de aula e no mercado de trabalho) cria um cenário diferente do que costumamos ver em graduações. Os docentes acompanham os projetos dos graduandos de perto e, por vezes, oferecem mentorias. Mas as diferenças não param por aí.
Aporte milionário

Ainda que seja uma graduação da Universidade Federal de Goiás, o curso não tem cara e nem infraestrutura de muitas das universidades públicas. O bacharelado que estuda o grande assunto do momento conta com parcerias e investimentos milionários de empresas públicas e privadas, nacionais e internacionais. Um cenário diferente do que costumamos ver em outros cursos, sobretudo os de Humanidades, Licenciaturas ou áreas que recebem pouca atenção do mercado e investimento. Em maio deste ano, por exemplo, a USP (Universidade de São Paulo) fechou a licenciatura em linguística.
Em visita ao campus da UFG, o GUIA DO ESTUDANTE conheceu parte da infraestrutura do BIA, que inclui desde laboratórios com computadores de ponta (que custam até R$16 mil cada), geradores e data centers próprios, impressoras 3D, robôs, até um carro elétrico movido a IA que o curso está montando.
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Mais recentemente, o curso recebeu um investimento de R$40 milhões em parceria com o Governo do Estado de Goiás, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
O aporte tem como objetivo a compra de oito supercomputadores, turbinados para o trabalho com IA. Três deles já estão em Goiás. Para dar conta da energia elétrica extra, a universidade firmou uma parceria com a Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG). Os computadores contarão com CPUs avançadas da Nvidia, empresa privada de tecnologia — que, inclusive, incluiu o centro de pesquisa da universidade no programa ‘AI Nations’, sendo o único representante da América Latina.
Tem que gostar de Matemática
O enfoque empreendedor do curso pode criar uma falsa impressão de que basta ter uma boa visão de negócios para se dar bem no curso – e, claro, na área. Mas a verdade é que não tem jeito: a boa e velha Matemática é a parte central do bacharelado. Gostar de cálculos e resolver problemas complexos é quase um pré-requisito para entrar. “Todo mundo olha para a IA e pensa no ‘Exterminador do Futuro’, mas o que acontece por trás da IA é nada mais do que matemática”, explica Telma.
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A diretora faz questão de desmistificar a imagem hollywoodiana da área, cheia de misticismos científicos. “Basicamente, a IA pega um dado, transforma em número e faz multiplicações de matrizes para encontrar padrões. Ou seja, é matemática pura”. Assim, não tem muito para onde escapar: dá para entrar no curso sem saber nada de programação, mas não dá para ir muito longe se não gostar de Matemática.
O recado serve também para quem entra atrás apenas das boas remunerações e status. Os salários altos e a perspectiva de emprego garantido acabam atraindo muitos estudantes que se interessam no retorno financeiro que a graduação agrega. A visão não é de todo errada, mas requer cautela.
“Quem pensa só no dinheiro é furada, porque vai demandar esforço e conhecimento para você chegar lá”, alerta a diretora do CEIA.
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O perfil dos alunos parece variar — mas não tem tanto. Telma conta que há desde os estudantes mais quietos, que querem passar o dia no computador programando, até aqueles extrovertidos com maior espírito de liderança.
Assim como outras áreas de exatas e TI, a presença masculina é majoritária. Em 2023, quando a primeira turma do curso se formou, só uma mulher pegou o diploma. Na segunda turma, o número subiu timidamente para 5, numa turma de 30.
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E quem se interessa pela área, mas se identifica também com as humanidades? “Muitas vezes é onde vai sair o empreendedor”, afirma Telma, referindo-se aos estudantes com perfil mais humanístico e que se adaptam às exigências técnicas.
“O que a gente está vivendo hoje vai ser história. Daqui 20 anos vamos estar olhando para trás e falando: olha onde tudo começou”, projeta o veterano Hugo. Para ele e seus colegas, estudar IA não é apenas escolher uma profissão da moda, é participar ativamente da construção do futuro.
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