Como evitar mais ataques a escolas?
A resposta passa por acompanhamento psicológico, monitoramento do uso de internet, jogar os agressores no anonimato – e nada de pânico generalizado
Desde o final de março, o termo “ataque em escola” se tornou uma das maiores buscas do Google no país. A razão para isso estampou jornais, espalhou-se em correntes no WhatsApp e amedrontou estudantes, pais e professores: desde o dia 27 de março, quando um estudante atacou uma escola no bairro da Vila Sônia, em São Paulo, as ameaças de violência nas escolas multiplicaram-se por todo o Brasil. A preocupação, inclusive de autoridades, acentuou-se ainda mais quando um homem invadiu uma creche em Blumenau (SC) no início de abril e matou quatro crianças e feriu outras quatro.
Apesar de parecerem repentinos, os casos refletem um cenário que especialistas monitoram há anos. Nas duas últimas décadas, foram mais de 20 massacres em escolas brasileiras. Desde agosto do ano passado, a quantidade deu uma guinada: mais de um por mês em todo o país, segundo levantamento feito por pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
O cenário preocupa, mas parte dos especialistas alerta para um segundo perigo: o do pânico generalizado que pode, inclusive, fortalecer grupos radicais e potenciais agressores. É o que afirma em entrevista à coluna do jornalista Leonardo Sakamoto, do UOL, o coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP (Universidade de São Paulo), Pablo Ortellado. Segundo ele, há uma parcela de jovens “curiosos” que entram em fóruns radicais sem a real pretensão de executar ataques. E embora mereçam atenção, os ataques ainda representam uma parcela pequena diante da imensidão da rede de ensino no Brasil.
Por isso, explica, a comunidade escolar deve conter o clima de pânico a fim de não potencializar ainda mais o movimento. A coluna também afirma que a Polícia Federal está realizando um trabalho de inteligência ao monitorar estes grupos, localizar os potenciais agressores e avisá-los de que estão sendo vigiados.
Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE reúne pesquisas, dados e opiniões de especialistas que estudam a violência nas escolas brasileiras.
Alguns números sobre a violência nas escolas
Alguns levantamentos recentes dão dimensão sobre a escalada da violência nas escolas brasileiras:
- Entre janeiro e agosto de 2022, foram registrados mais de 100 boletins de ocorrência por lesão corporal e ameaça em escolas no escolas no Tocantins, e 80% das vítimas foram professores.
- Segundo um estudo publicado no Jornal da USP, oito em cada dez jovens da região metropolitana de São Paulo afirmam ter presenciado ao menos uma situação de violência contra adolescentes nas escolas.
- Em uma pesquisa da organização Nova Escola com 5.300 professores de todo o Brasil, 80% dos docentes afirmou já ter sido vítima de algum tipo de agressão. A violência verbal foi a de maior incidência, seguida de violência psicológica e ao menos 7% dos profissionais já foram sido agredidos fisicamente.
- Outro levantamento aponta que o Brasil está entre os índices mais altos no ranking mundial de agressões contra professores. Divulgado em 2019, o estudo foi feito pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e contou com 250 mil docentes de 48 países ou regiões.
+ A escalada da violência contra professores no Brasil, segundo pesquisas
Possíveis causas da violência escolar
A violência no ambiente escolar é, segundo os professores, multifatorial, ou seja, há uma série de fatores sociais e psicológicos que podem desencadear essas situações.
Por muito tempo, inclusive, esses casos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos foram associados unicamente ao bullying, mas, hoje, os especialistas no tema já estudam outras possibilidades.
Uma delas é que o aumento recente de ataques esteja relacionado à pandemia de covid-19. A justificativa é que, durante o período de isolamento, os jovens teriam perdido certas habilidades sociais, como a abertura ao diálogo, respeito a regras e o controle das emoções. Para piorar, com o retorno das aulas presenciais, as ações adotadas pelo poder público e pelas escolas estariam mais focadas na recuperação da aprendizagem do que em problemas socioemocionais enfrentados pelos estudantes.
Um exemplo prático é que cerca de um mês antes do ataque na escola da Vila Sônia, o programa “Psicólogos na Educação”, instituído durante a pandemia pelo governo do Estado de São Paulo, havia sido suspenso. Com isso, professores e estudantes das escolas estaduais estavam sem qualquer apoio neste sentido.
A Secretaria da Educação de São Paulo aponta que, após a volta das aulas presenciais, em janeiro e fevereiro de 2022, foram registrados 4.021 casos de agressões físicas nas unidades do estado. Para se ter uma ideia da piora do quadro, o número é 48,5% maior do que o mesmo período de 2019, último ano de aulas presenciais antes da pandemia.
E não foram apenas os casos de agressão física que aumentaram: houve crescimento de 52% de ocorrências de ameaça e 77% de casos de bullying nas escolas do estado em comparação ao período pré-pandêmico.
Uma outra possibilidade é que a incidência de casos de violência esteja relacionada ao aumento da intolerância, principalmente contra minorias. No caso do ataque em São Paulo, o agressor havia proferido ofensas racistas contra um colega na semana anterior ao atentado, resultando em uma briga. A discussão foi apartada pela professora – que se tornaria a vítima esfaqueada dias depois.
A pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Betina Barros, afirmou, em entrevista ao G1, que ataques como esse não eram comuns no Brasil e passaram a acontecer com mais frequência a partir de 2018.
Isso porque, além dos efeitos da pandemia, nos últimos anos, também foi possível observar uma forte polarização política no país, que abriu espaço para ideias extremistas.
A exposição à violência dentro de casa, como agressões físicas, psicológicas, e maus-tratos também podem ter desencadeado mais casos.
Além disso, o acesso à internet sem mediação de um responsável teria tornado mais fácil o contato com grupos online que disseminam conteúdos violentos e ideias supremacistas, com discursos racistas, xenofóbicos, misóginos e neonazistas.
Como combater os ataques às escolas
Como não poderia ser diferente, já que o problema tem tantas raízes, o combate à violência nas escolas passa por muitas frentes. Confira o papel de cada agente envolvido:
Pais e responsáveis
Embora muitas famílias acreditem que conversar sobre o tema possa traumatizar as crianças, é importante que o diálogo aconteça. A professora de psicologia Belinda Mandelbaum, da USP, afirma em entrevista à Agência Brasil que os pais devem se atentar para os sinais de que os filhos estão com medo ou apreensivos e acolhê-los sem julgamentos, respondendo às dúvidas e ouvindo o que eles têm a dizer.
Os adultos também devem tomar cuidado para não demonstrar preocupação excessiva ou potencializar os eventos. O tema deve ser tratado com seriedade, mas o pânico por parte dos pais pode desencadear ainda mais temor e ansiedade nas crianças.
Outra medida importante, quando possível, é monitorar o tempo de tela e o que as crianças estão consumindo nas redes sociais.
No caso de adolescentes, embora eles já compreendam melhor o que está acontecendo, o diálogo segue sendo relevante. Nessa fase, os jovens podem encarar certos episódios de maneira distorcida, idealizando, romantizando ou satirizando a situação, segundo a psicopedagoga Ana Paula Barbosa, também em entrevista à Agência Brasil. Por isso, é necessário alertar para a gravidade e riscos da violência.
Alguns sinais de alerta são a obsessão por armas de fogo e agressividade contra mulheres, negros e outras minorias.
Escola
De acordo com as pesquisadoras, o papel da escola vai além da formação intelectual e deve ser um espaço para o desenvolvimento humano dos estudantes, dotado de segurança e proteção. Assim, é importante que os profissionais da instituição mostrem às famílias e aos alunos que o ambiente é acolhedor.
Identificar os primeiros sinais de violência, incentivar o diálogo, promover rodas de conversa, evitar o excesso de ações punitivas e desenvolver as competências socioemocionais dos alunos também são algumas medidas que a escola pode adotar.
Além disso, o perfil das reuniões escolares deve ser mais abrangente do que abordar apenas as notas dos estudantes, explorando também temas como bullying, a importância do diálogo e a diversidade. Para isso, especialistas reforçam a importância de profissionais de saúde mental atuando nas instituições ensino.
Imprensa
Segundo a Jeduca, Associação de Jornalistas de Educação, pesquisas mostram que a exploração desses ataques na mídia pode ter uma influência negativa, incentivando outras pessoas a cometerem os crimes. Mostrar fotos e vídeos dos massacres, contar a história dos agressores ou detalhar o caso faz com que o indivíduo que cometeu o ato seja visto como um “herói” pelas pessoas que pensam como ele, reforçando a sua “conquista” e servindo de modelo.
Por isso e após os acontecimentos mais recentes, diversos veículos se posicionaram e defenderam certas diretrizes sobre a cobertura jornalística de ataques a escolas, como a não veiculação de imagens das agressões e nome dos criminosos.
Governo
Após o ataque contra a professora em São Paulo, o MEC (Ministério da Educação) propôs a criação de um grupo interministerial para elaborar um programa de combate à violência.
Outra medida adotada recentemente foi a notificação às empresas responsáveis por redes sociais para que incluam medidas de combate à violência e incitação a crimes no ambiente escolar, como:
- o estabelecimento de canais de atendimento para pedidos e determinações policiais ou judiciais;
- moderação ativa de conteúdos de apologia à violência ou ameaça contra escolas. Exemplo: a derrubada de perfis e hashtags que incitam crimes.
+ Ataque a escolas: por que o Brasil quer regular as redes sociais?
Além disso, para que as escolas públicas tornem-se um espaço mais preparado e acolhedor, é necessário investimento. É preciso olhar com atenção para a sobrecarga enfrentada por professores neste espaço, que muitas vezes os impede de monitorar atentamente sinais de violência e atuar sobre isso. A própria saúde mental destes profissionais, por sinal, requer atenção do poder público, com a contratação de psicólogos e psicopedagogos que atendam toda a comunidade escolar.
Canais importantes para denúncias
Por meio do canal Escola Segura, criado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com SaferNet Brasil, é possível denunciar ameaças de ataques. As informações enviadas são mantidas sob sigilo e a denúncia é feita de forma anônima.
O ideal é que a denúncia contenha informações mais específicas como a escola que está sendo ameaçada e datas.
Já em casos de emergência, a orientação é ligar para o 190 ou para a delegacia de polícia mais próxima.
O tema pode aparecer nos vestibulares?
Segundo Renê Araújo, professor de Sociologia do Curso Anglo, a violência nas escolas é um problema social que precisa ser discutido e enfrentado pela sociedade brasileira. Por isso, ele pode ser cobrado em temas de redação e questões que explorem, por exemplo, os seguintes assuntos:
- o papel e o uso da internet e das redes sociais;
- a naturalização e a instrumentalização da violência na vida social;
- a ascensão de ideias e grupos extremistas;
- a disseminação de discursos de ódio e intolerância;
- o abandono e a vulnerabilidade dos estudantes e das escolas;
- a questão da violências de gênero, racial, religiosa;
- o aumento de grupos armamentistas.
Para se aprofundar
- Episódio “A explosão de violência dentro das escolas”, do podcast O Assunto;
- Filmes e livros para entender a violência nas escolas norte-americanas
- Livro “Violência nas Escolas – versão resumida”, de Miriam Abramovay e Maria das Graças Rua. A publicação é um resumo da obra”Violência das Escolas”, lançado pela UNESCO (Representação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Cultura e a Ciência) no Brasil;
- Livro “Impactos da violência na escola: um diálogo com professores”, produzido a partir de uma pesquisa do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Fiocruz) e com apoio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC.
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