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Como os EUA podem interferir na Amazônia

Joe Biden afirma que Brasil sofrerá consequências econômicas graves caso o desmatamento continue. Isso realmente pode acontecer?

Por Wender Starlles
Atualizado em 20 jan 2021, 14h52 - Publicado em 23 nov 2020, 11h20
 (juliana vitoria/Reprodução)
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Em um debate presidencial contra Donald Trump, em setembro de 2020, o até então candidato do partido democrata Joe Biden criticou a política ambiental brasileira em relação à Amazônia e afirmou que o país sofrerá consequências econômicas significativas se o desmatamento continuasse, caso fosse eleito. Na ocasião, Biden disse que “começaria imediatamente a organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20 bilhões para o Brasil não queimar mais a Amazônia”.

A declaração repercutiu no cenário internacional e provocou reações do presidente Jair Bolsonaro, que fez uma série de declarações no Twitter sobre o assunto. “A cobiça de alguns países sobre a Amazônia é uma realidade. Contudo, a ‘externação’ por alguém que disputa o comando de seu país sinaliza claramente abrir mão de uma convivência cordial e profícua. Custo entender, como chefe de Estado que reabriu plenamente a sua diplomacia com os Estados Unidos, depois de décadas de governos hostis, tão desastrosa e gratuita declaração”, escreveu.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ironizou a situação nas redes sociais.

O Brasil já recebeu ajuda financeira externa para combater o desmatamento e preservar a floresta com o projeto Fundo Amazônia, criado em 2008. Países como Alemanha e Noruega realizaram, ao longo dos anos, diversas doações que totalizaram R$ 3,4 bilhões. Porém, os repasses de verba para o programa foram suspensos devido ao alto índice de desflorestamento na região.

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Menos de dois meses após a polêmica, a situação ganhou novos capítulos: Biden foi eleito o 46º presidente dos Estados Unidos; o que colocou fim ao governo de Donald Trump, que segue sem reconhecer a derrota, mas deu autorização nesta segunda-feira (23) para iniciar a transição. Vale lembrar também que, até terça (24), o presidente Jair Bolsonaro por meio do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ainda não havia parabenizado o democrata pela vitória, como é praxe.

++Você sabe como as eleições americanas impactam no mundo?

Por que a Amazônia está em jogo?

Quando o assunto é preservação do meio ambiente ou combate ao desmatamento, os olhos do mundo cada vez mais se voltam à Amazônia. O bioma ocupa 49% do território brasileiro e se estende por outros oito países: Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Venezuela e Suriname. Dentro do território amazônico circulam 20% de toda a água doce do planeta, além de pelo menos 40 mil espécies de plantas, 427 de mamíferos, 1.294 de aves, 378 de répteis, 427 de anfíbios e cerca de três mil espécies de peixes.

Esse conjunto de ecossistemas é importantes para o equilíbrio ambiental e climático da Terra. Por isso, a destruição da floresta tem gerado grande preocupação internacional. De acordo Pedro Feliú, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), esse interesse está relacionado ao valor científico que o bioma representa para o mundo.

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“A preservação da Amazônia inclui o controle de doenças em nível global como a malária, que avança com o desflorestamento, além da capacidade de produção de água doce”, afirma Feliú.

Neste outro texto publicado aqui no GUIA explicamos com mais detalhes como os processos que acontecem na floresta amazônica são importantes para ecologia e o clima.

Somente em outubro o desmatamento na Amazônia subiu 49% em relação ao mesmo período do ano passado. A área de floresta derrubada chegou a 890 km², maior registro da última década. Os dados são do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, que coordena os satélites de monitoramento do Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon.

Se o desmatamento continuar, o Brasil pode sofrer sanções?

No cenário internacional não há registros de sanções (conjunto de punições a quem desobedece acordos, leis, tratados) econômicas motivadas por questões ambientais. As mais comuns são relacionadas aos direitos humanos, ameaça à segurança e quebra de pactos nucleares. Entretanto, para Feliú isso não impede que o Brasil sofra consequências. “Na ótica de Direitos Humanos é possível incluir questões ambientais. Existem convenções na ONU que permitem essa manobra, mas isso seria altamente inédito“, diz. 

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Mas sanções econômicas nem sempre fazem bem ao meio ambiente, mostram estudos. “Países como Irã e Venezuela perderam capacidade de proteger suas florestas, de regulamentar a economia em termos ecossistêmicos, após sofrerem punições internacionais”, diz Feliú. O especialista explica que existe uma disputa ideológica entre o discurso ambientalista e o desenvolvimentista que acaba dificultando a preservação da natureza.  

“Se Biden quiser forçar o Brasil a adotar um comportamento diferente na política ambiental, sanções não são o melhor mecanismo. Muito embora os EUA adotem isso com certa frequência”, completa Feliú.

Para Carlos Eduardo Lins da Silva, professor de Relações Internacionais do Insper, o discurso de Joe Biden foi genérico e sinalizou apenas aos eleitores americanos que o seu governo estará preocupado com essas questões. “Ele quis dizer que pode haver, como já está acontecendo em alguns países da Europa, movimentos para não comprarem produtos brasileiros feitos a partir de danos ambientais. Não acredito que ele tomará qualquer atitude agressiva”, diz. 

Em um cenário hipotético, Feliú supõe que possíveis sanções terão um efeito drástico de curto prazo no Brasil e podem até resultar no impedimento do presidente. “Mas isso é muito difícil de acontecer, porque Biden não colocaria em risco a amizade histórica entre os dois países. Lembrando que os EUA foram o primeiro país a reconhecer a nossa independência”, afirma. 

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As leis internacionais e práticas diplomáticas proíbem que governos interfiram em políticas domésticas de outras nações, explica Silva. “No entanto, eles podem fazer pressão, além de tomar posições mais duras em reuniões de órgãos multilaterais. Durante o Apartheid a África do Sul, por exemplo, sofreu diversos boicotes”, comenta.

Com a eleição do democrata Joe Biden, a expectativa é que o Brasil mude as políticas ambientais caso para evitar possíveis punições por parte dos EUA e Europa. “É só apertar no agronegócio que a situação se transforma”, afirma Feliú. Silva também concorda com essa visão. “É um erro grotesco do governo Bolsonaro promover o desflorestamento e permitir que a mineração ilegal ocorra em terras indígenas. Por isso essas práticas devem acabar, para preservar os interesses dos brasileiros”, acrescenta.

Quer saber mais sobre a Amazônia e as muitas discussões atuais sobre o bioma? Dê uma olhada nestes textos publicados aqui pelo GUIA:

As leis que protegem (e outras que ameaçam) a preservação da Amazônia

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