Por mais que muita gente só tenha ouvido falar nele agora, o papo de curva epidêmica não é coisa exatamente nova: teve curva epidêmica para H1N1, para dengue, sarampo e outras doenças. Afinal, é por meio dessa representação gráfica que se mede o aumento de casos de contaminados ao longo do tempo, permitindo acompanhar e até prever a evolução de uma epidemia.
O que acontece dessa vez é que a facilidade de transmissão e a inexistência de tratamento e de vacina (por enquanto) fez o papo ficar ainda mais sério: a curva do novo coronavírus indica um número de contaminados tão grande a curto prazo que o sistema de saúde de muitos países entraria em colapso em poucas semanas, sem leitos hospitalares e profissionais suficientes para atender todos os doentes.
Isso, é claro, se nenhuma medida para frear o contágio for tomada. É aí que entra a ideia de “achatamento da curva”, que tomou discursos políticos, noticiários e até correntes de Whatsapp. Achatar a curva significa “distribuir o número de pessoas contaminadas ao longo do tempo e permitir com que, assim, tenha mais rotativa nos leitos e nas UTIs, para que a população fique menos suscetível a ficar sem hospitalização”, explica o cientista Vítor Sudbrack, do Instituto de Física Teórica da Unesp. E de curvas, análises e dados, Vítor entende bem.
Em 17 de março, ele e dezenas de outros pesquisadores uniram suas expertises em diferentes áreas, da Física à Ecologia, para formar uma grande equipe de ciências de dados. De lá para cá, o Observatório Covid-19 BR reúne e trata dados oficiais para elaborar estimativas sobre o novo coronavírus no Brasil – entre elas, a curva epidêmica.
Uma ciência sem etiquetas
“Essas etiquetas que colocamos na ciência são do ponto de vista acadêmico, porque a natureza é uma coisa só e precisa de todas elas trabalhando juntas”. É assim que Vítor Sudbrack introduz a formação acadêmica dos diversos cientistas que trabalham no observatório. Físicos (como ele), matemáticos, biólogos… a equipe por trás da coleta e tratamento dos dados, programação, análises e previsões é bastante interdisciplinar, e todas essas especialidades colaboram à sua maneira.
Os cientistas da área da Física, por exemplo, se ocupam da modelagem. “Modelar é observar a natureza e escrever equações matemáticas que representam aquilo que a gente está observando”, explica. É possível ir além: se as equações representam bem aquilo que já vivemos, é possível extrapolar para o futuro e fazer previsões. E é isso que os cientistas que trabalham com dados nesse momento, no Brasil e no mundo, estão fazendo: criando modelos matemáticos para supor como a epidemia vai se comportar em diferentes cenários.
Embora seja uma especialidade dos físicos, pesquisadores de outras áreas também contribuem no processo de modelagem. Os biólogos, por exemplo, contribuem fornecendo informações sobre o comportamento do vírus, as características da doença e todos os outros parâmetros importantes que devem ser considerados na elaboração do modelo.
Além disso, os ecólogos do Observatório contribuem bastante nas análises estatísticas e de dados, já que também possuem formação nessa área. A doutoranda em ecologia na USP Tatiana Portella explica que a pós-graduação na área de ecologia tem disciplinas de estatística, programação em R, análise de dados espaciais e outras que preparam para trabalhos envolvendo ciências de dados.
Por fim, todos acabam contribuindo com quase tudo, reunindo conhecimentos muitas vezes até inesperados. “Recebemos e-mails de pessoas que trabalhavam com astrofísica, física de partículas, com várias coisas bem distantes, mas que sabiam colocar um site no ar, que sabiam fazer uma análise de multiparâmetros. Por mais que a gente tenha tido que adaptar, todo esse ferramental foi muito útil”, lembra Vítor. “Eu, falando como cientista, nunca me senti tão envolvido em uma coisa tão intensa com tanta gente igualmente intensa. Está sendo uma experiência de mudar a vida.”
Além da curva
Embora as informações envolvendo a curva epidêmica sejam as mais “populares” quando se trata do coronavírus, outras análises importantes também estão sendo publicadas pelo Observatório covid-19 BR. Os mapas de risco, por exemplo, baseiam-se no fluxo entre as cidades com mais casos e outras do mesmo estado para estimar quais serão os próximos lugares afetados pelo vírus.
Já um outro grupo dentro do Observatório trabalha com a análise dos sentimentos da população em relação à quarentena a partir de tuítes – assim é possível saber, por exemplo, qual tem sido a adesão às medidas de isolamento social. Por fim, todas essas informações ficam à disposição especialmente dos gabinetes de crise, para que eles possam otimizar tempo e recursos no combate à pandemia.