Esquerda e direita: a origem dos termos e como usá-los (corretamente) hoje
Conversamos com dois professores para te ajudar a entender o assunto!
Muito provavelmente você tem se deparado com notícias apontando o fortalecimento do chamado “centrão” ou da centro-direita nas últimas eleições municipais. Deve também ter ouvido aos montes nos noticiários que a esquerda se fortaleceu em alguns municípios, mas que partidos e candidatos nas extremidades de cada campo político não vingaram tanto neste pleito.
Classificar partidos ou mesmo se autodeterminar como de esquerda ou direita virou tão cotidiano e corriqueiro que poucas vezes paramos para refletir o que significa, de fato, pertencer a algum destes lados do espectro político.
Por outro lado, recorrer a esses termos para entender especialmente o cenário e a luta política está longe de ser uma abstração, como aponta Rodrigo Estramanho, professor de ciência política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Rodrigo explica que existem maneiras de entender o que são pensamentos, programas e ações mais à direita ou mais à esquerda. Não esquecendo, é claro, que entre as duas coisas – e depois delas – existe uma infinitude de outras posições no campo político. Um caleidoscópio, resume o professor.
Convidamos Rodrigo e o professor de história do Anglo, Raphael Tim, para nos ajudar a entender como surgiram essas ideias, como se modificaram ao longo da história e o que é preciso levar em conta antes de classificar o outro, ou a si mesmo, dentro desse universo da política.
“Esquerda” e “direita”, e não “em cima” ou “embaixo”
Reza a lenda que a origem da divisão do campo político em esquerda e direita – assim como muitas outras coisas das nossas sociedades contemporâneas – data da Revolução Francesa. Raphael Tim explica que, durante as assembleias, os revolucionários dividiam-se espacialmente na sala. À direita, ficava um grupo que defendia, entre outras pautas, o rompimento com o Absolutismo e o fim das estruturas do antigo regime. Mas tudo isso sob um viés estritamente liberal. “Ou seja, falavam de reformulação na organização dos poderes, uma menor interferência do Estado sobre a economia, mas pouco falavam da ampliação de direitos para toda a sociedade. Não é que não falassem nada sobre isso, mas não era uma prioridade”.
Já do outro lado do espaço onde acontecia a assembleia, à esquerda, ficavam aqueles que, além das propostas de ruptura com a monarquia, tentavam incorporar demandas sociais nas suas propostas políticas. Segundo o professor Tim, “estavam vinculados a demandas políticas da população mais empobrecida da França”. Por isso, eram considerados mais radicais.
“Meramente por uma questão de localização geográfica, a gente chama a direita de direita hoje em dia, e a esquerda de esquerda. É por isso que não chamamos simplesmente de ‘em cima’ e ‘embaixo’”, conclui.
Mas não precisa nem dizer que, entre o que se convencionou como esquerda ou direita naquela época, e o que classificamos usando estes mesmos termos hoje, existe uma enorme distância. Foi preciso muito “corpo teórico” e importantes acontecimentos históricos desde então para moldar o pensamento político da forma como conhecemos hoje, como explica o professor Rodrigo Estramanho. Afinal de contas, afirma ele, ninguém dormiu sem posicionamento político antes da Revolução Francesa, e acordou “de esquerda”, da forma como conhecemos hoje. Quer um exemplo? O professor Tim destaca que, na Revolução Francesa, tanto os que eram chamados de direita quanto os que eram chamados de esquerda eram completamente contrários a participação feminina na política.
Pensamento político
Este reforço teórico que ajudou a consolidar o pensamento de esquerda e direita veio um tempo depois da Revolução Francesa, por volta do século 19. Entre os importantes pensadores da esquerda deste período, os professores Rodrigo e Tim destacam, é claro, Karl Marx e Friedrich Engels. Mas também outros como Mikhail Bakunin, Pierre-Joseph Proudhon e até a militante francesa Louise Michel, que atuou na Comuna de Paris.
Já entre os pensadores que moldaram a teoria de direita, o professor fala de Edmund Burke, Alexis de Tocqueville e Thomas Carlyle. “São todos autores que vão ter uma baita influência sobre aquilo que vai se apresentar como ideias mais à direita, pelo menos no século 19”, afirma.
E as teorias e produções desses pensadores, por sua vez, não podem nem devem ser consideradas fora de seu contexto histórico – e dos contextos sobre os quais incidiram depois. O professor do Anglo destaca que o grande acontecimento histórico que, depois da Revolução Francesa, consolidou o ideal de esquerda foi a Revolução Russa: “A partir de lá, ficou explícito mundialmente o que significaria uma revolução de esquerda”. Além de ser orientada, em um primeiro momento, a partir do pensamento de Marx e Engels, na Revolução Russa surgiram as teorias de Lênin. Segundo o professor Rodrigo, elas deram um acabamento mais empírico para o pensamento de esquerda.
Entre outros eventos históricos importantes e que polarizaram (e moldaram) esquerda e direita estão a Primavera dos Povos, a Comuna de Paris e a própria Guerra Fria, já no meio do século 20.
Esquerdas e direitas
Calma, o texto não vai acabar sem explicar, afinal de contas, o que configura um posicionamento de esquerda e um de direita. Agora que você já entendeu que essa divisão depende, e muito, do contexto histórico e geográfico, temos uma boa notícia. Existem, sim, alguns pressupostos que permitem fazer essa divisão de uma forma mais “genérica”.
Em linhas gerais, explica o professor Rodrigo, o pensamento mais à direita foi construído, ao longo do tempo, centrado na figura do indivíduo e de suas liberdades. Ele prega que a sociedade será tanto melhor se as pessoas tiverem ampla liberdade e tomarem suas decisões individualmente. Pessoas desse campo político “tendem a acreditar que cabe ao indivíduo solucionar os próprios problemas com interferência inexistente ou mínima do Estado”, completa Rafael Tim.
Já o pensamento à esquerda moldou-se sob a ideia de coletividade e de intervenção do Estado, especialmente de forma a minimizar as diferenças socioeconômicas. Por isso, hoje, enquanto à esquerda vemos pessoas engajando-se em prol de minorias sociais, por exemplo, a direita aposta mais em questões de mérito e luta individual.
E, veja bem, isso não significa necessariamente que a direita não acredite no bem estar social, destaca o professor Rodrigo, mas que, ao contrário da esquerda, ela defende que ele advém da liberdade individual.
Afinal, não há política sem todas essas nuances. “É um gradiente, e em cada ponta temos os mais radicais. Existe, por exemplo, a centro-direita e centro-esquerda. Aquela com um pezinho na esquerda, trabalha mais com o coletivo, e a com um pezinho na direita, elabora questões relacionados ao indivíduo”, explica o professor Rodrigo.
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