A história da arquiteta que projetou o MASP e viveu numa casa de vidro
Conheça a trajetória de Lina Bo Bardi, imigrante italiana que revolucionou a arte brasileira, defendendo uma 'arquitetura pobre' e democrática
O nome Achillina di Enrico Bo (1914-1992) pode não significar nada para você, mas basta uma reorganização das palavras para revelar um dos maiores ícones da história da arte do Brasil: Lina Bo Bardi. Peça-chave do movimento modernista, nasceu na Itália, mas foi naturalizada brasileira (de documento e coração). Ela projetou obras que mudaram a cidade de São Paulo e transformou a maneira como o Brasil olha para seus museus, suas ruas e sua cultura popular.
Ao lado do marido Pietro Maria Bardi (1900-1999), ajudou a dar vida ao sonho do magnata da imprensa Assis Chateaubriand (1892-1968), o Chatô, de criar o maior museu de arte da América Latina, o MASP. Além disso, viveu em uma casa futurista projetada por ela mesma. A Casa de Vidro, com sua fachada transparente no bairro do Morumbi, em São Paulo (SP), era digna de ‘Os Jetsons’, com decisões arquitetônicas incomuns para a época e eletrodomésticos e objetos inéditos no Brasil.
Conheça a seguir a história de Lina Bo Bardi, uma inspiração não somente para os amantes da arte e arquitetura, mas para todos que se interessam pela ideia de uma arte acessível e, ao mesmo tempo, moderna.
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Vítimas da Segunda Guerra
Nascida em 5 de dezembro de 1914, em Roma, numa Itália que se industrializava rapidamente e via na arquitetura moderna um campo de experimentação, Lina formou-se em Arquitetura na Universidade de Roma aos 25 anos, em 1939. Já nos anos seguintes, trabalhou em escritórios, colaborou com revistas de design e iniciou uma trajetória de crítica especializada.
Seu início de carreira também é marcado pelo contexto da época: a ascensão do fascismo italiano e os sangrentos conflitos da Segunda Guerra Mundial. Tal pano de fundo a consolidou como uma jovem alinhada aos movimentos progressistas, tornando-se uma figura sempre presente nas rodas intelectuais e de resistência.
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É numa dessas rodas que conhece o crítico e historiador de arte Pietro Maria Bardi (daí o sobrenome), com quem se casa em 1946. No mesmo ano, o casal decide emigrar para o Brasil, depois de verem seu escritório em Milão ser bombardeado e enfrentarem as dificuldades da reconstrução do pós‑guerra. Mas mais do que isso, buscavam um novo cenário para construir suas ideias, impulsionados, sobretudo, pelo convite de Chateaubriand, que planejava criar um museu de arte de nível internacional no Brasil.
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O primeiro MASP
No Brasil, o casal atendeu ao chamado do Chatô para estruturar e dirigir o seu recém-criado Museu de Arte de São Paulo. A instituição, privada e sem fins lucrativos, começou funcionando em salas alugadas no edifício Guilherme Guinle, a própria sede do antigo jornal do magnata, o Diários Associados, na rua 7 de Abril, no centro.
Desde o início, ainda nessa sede provisória, Lina já se envolvia com o desenho das exposições e com a comunicação visual do museu, numa mistura de arquitetura, design gráfico e museologia. Para tal missão, a arquiteta fez um intenso mergulho na cultura brasileira. Aproximou-se, principalmente, da arte moderna, das manifestações populares e do artesanato, todos representativos dos conceitos que a arquiteta tanto acreditava e defendia.
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Paralelamente, em 1948, criou, ao lado do marido e do arquiteto Giancarlo Palanti, o Studio d’Arte Palma, voltado à produção de móveis de design a preços mais acessíveis. Vinda de uma Itália em ruínas, Lina desenvolveu um verdadeiro apreço pelo cotidiano e pela funcionalidade: lhe interessava desenhar cadeiras, mesas e espaços que pudessem ser de fato usados, por pessoas comuns, sem ostentação.
O vão livre da Paulista
Com o acervo em expansão e o museu já ocupando vários andares do prédio na 7 de Abril, ficou claro que era preciso uma sede própria, capaz de dar escala às exposições e projetar o MASP como um ponto importante da cidade.
Em 1957, a prefeitura doou um terreno na Avenida Paulista para a construção do museu — mas com uma exigência: manter livre a vista para o centro da cidade e para a Serra da Cantareira que o lugar tinha. Chatô, então, encomendou a Lina o projeto do novo edifício, encarregando-a de criar uma arquitetura à altura da coleção que ele formava com a curadoria de Pietro.
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A resposta entraria para a história. Um bloco principal projetado como um grande vão suspenso — uma laje elevada sobre quatro pilares vermelhos e vigas de concreto — criando por baixo uma espécie de praça livre sobre a qual a cidade poderia conviver. O objetivo era que o museu “continuasse” o espaço urbano, integrando-se à vida da cidade.
Quase dez anos depois, o novo MASP foi inaugurado, em 1968, com uma proposta radical. No exterior, o vão livre pensado por Lina servia como espaço de convivência, feira, protesto, lazer. No interior, os quadros eram expostos em cavaletes de cristal — placas de vidro apoiadas em blocos de concreto — permitindo caminhar entre as obras, escolher o próprio trajeto e enxergar o verso das pinturas. As largas e altas janelas de vidro, possibilitavam quem passasse pela avenida de olhar para cima e admirar alguns vislumbres das obras expostas.
Saía a ideia de museu como um templo inacessível, fechado e opulento, e entrava a ideia de um museu aberto, livre, feito para todos.
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Morando numa Casa de Vidro
No ano em que se naturalizou brasileira, 1951, Lina concluiu seu primeiro projeto construído no Brasil: a própria casa. A chamada Casa de Vidro, no então recém-loteado bairro do Morumbi, parece até um prelúdio do que viria a ser o MASP. Apoiada na parte traseira por muros de concreto, a frente da casa também é suspensa, sustentada por pilares fincados num terreno inclinado.
A casa foi toda pensada para respeitar o relevo e a vegetação nativa (na época, ainda de Mata Atlântica) do terreno, criando a sensação de estar flutuando entre as copas das árvores. E nem é exagero.
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Na São Paulo dos anos 50, em um bairro quase que ainda inabitado, a vista da casa era livre: tudo era mato. Janelas normais não seriam o suficiente para fazer jus a essa integração que a arquiteta queria (e podia ter) com o céu e a natureza. A solução foi projetar paredes de vidro — aí o nome da casa.
Criou-se assim uma fachada transparente, em que, sentada no sofá da sala, poderia se sentir entre o verde das árvores e o azul do céu (até a cor dos azulejos do piso foi pensada para contribuir com essa transição). A estrutura da casa foi desenvolvida a partir do projeto arquitetônico de Lina com o engenheiro italiano Luigi Nervi, e contou com adaptações do engenheiro Túlio Stucchi.
Lina valorizava estruturas aparentes, soluções simples e o protagonismo de quem, de fato, usaria o produto final. Essa ideia de “arquitetura pobre”, defendida por ela, não dizia respeito à falta de qualidade, mas a uma ética de simplicidade e de valorização ao cotidiano, em oposição a edifícios monumentais de luxo intocável.
A Casa de Vidro é hoje considerada um ícone da arquitetura moderna brasileira. Seus espaços integrados, coisa incomum para a época, e a decoração que mistura peças eruditas vindas da Europa com objetos populares brasileiros serviram de palco para encontros de artistas, autores, arquitetos e intelectuais. Foi ali que os Bardi viveram por mais de 40 anos.
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“Fábrica em festa” e outras obras
Se o MASP é seu marco na Avenida Paulista e a Casa de Vidro foi seu laboratório pessoal, o Sesc Pompeia (inaugurado em fases a partir de 1982) representa a própria síntese de suas ideias sobre arquitetura social e participação democrática. Recebendo a encomenda de transformar uma antiga fábrica de tambores de óleo no bairro da Pompeia em um Sesc, Lina optou por preservar a estrutura industrial original, com seus tijolos aparentes e telhados curvados.
Sua ideia de não demolir o passado, mas sim revitalizá-lo, contribuiu para batizar o projeto justamente de “fábrica em festa”. O grande desafio da arquiteta foi construir as áreas esportivas que um Sesc pede: para isso, optou em unir dois novos blocos de concreto bruto (com janelas irregulares que parecem “rasgos”) através de passarelas suspensas, que se integram à estrutura antiga.
Outros trabalhos de destaque de sua trajetória incluem a restauração e adaptação do Solar do Unhão, em Salvador (BA), na década de 1960, que se tornou o Museu de Arte Moderna da Bahia, e o Teatro Gregório de Mattos, também em Salvador. Nessas obras, seu apreço pela cultura popular brasileira, pelo Nordeste e pelo uso de materiais simples, como a madeira rústica, se consolidaram.
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Legado
Lina Bo Bardi morreu em São Paulo em 20 de março de 1992, deixando um legado de casas, museus, centros culturais, projetos gráficos, desenhos de móveis e textos críticos. Pietro Maria Bardi morreu pouco depois, em 1999. Alguns anos antes, em 1990, ao lado do marido, Lina fundou o Instituto Quadrante, hoje Instituto Bardi | Casa de Vidro, dedicado a preservar e difundir sua obra e a do marido.
Após sua morte, a Casa de Vidro foi doada ao Instituto e transformada em sede da instituição, abrindo-se à visitação e a atividades culturais — sempre um desejo de Lina. É possível agendar uma visita pelo site oficial.
Além disso, o MASP presta hoje uma bonita homenagem ao casal. Com a construção do novo prédio anexo, o edifício principal ficou batizado com o nome da sua arquiteta, Lina Bo Bardi, enquanto o novo prédio recebeu o nome do seu grande diretor artístico, Pietro Maria Bardi.
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