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Por que reduzir investimento na área de Humanas não faz sentido no Brasil

Bolsonaro e o ministro da Educação afirmaram que vão redirecionar o investimento para áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte

Por Taís Ilhéu
29 abr 2019, 18h00

Na última semana, Abraham Weintraub, ministro da Educação, gerou polêmica em uma live no Facebook que gerou reações de diversas associações das áreas de ciências humanas — e até mesmo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O ministro afirmou que o Brasil reduzirá os investimentos de cursos como Filosofia e Sociologia e redirecionará essa verba a áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, citando como exemplo os cursos de Enfermagem, Veterinária, Engenharia e Medicina.

A Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF) foi uma das primeiras a se posicionar, emitindo uma nota que foi assinada por mais de 50 outras associações. Entre outras, assinaram a Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS), a Associação Nacional de História (ANPUH), a Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP).

De acordo com a nota, as declarações do ministro, reforçadas pelo presidente Jair Bolsonaro, demonstram “ignorância” sobre o que é estudado na área, além de sua relevância, custos e público. A associação afirma que a maior parte dos alunos de humanidades nas universidades públicas são provenientes das camadas de renda mais baixa da população, ao contrário do que afirmou Weintraub. De acordo com o ministro, esses seriam cursos “para pessoas já muito ricas, de elite”.  Por fim, as associações contestam o exemplo do Japão, tomado por Weintraub para mostrar que países desenvolvidos também teriam deixado de investir na área.

O Japão parou de investir em Humanas?

O Japão, país muito mais rico do que o Brasil, está tirando dinheiro público das faculdades que são tidas como de elite, como Filosofia”, afirmou o ministro na transmissão. Segundo ele, o país direcionou esse dinheiro para faculdades que “geram retorno de fato”.

É verdade. Em 2015, o governo do Japão pediu que 86 universidades caminhassem para abolir ou ao menos reformular as Ciências Sociais e Humanas. A maioria dessas faculdades respondeu que seguiria as orientações, mas as duas maiores do país, a Universidade de Tóquio e a Universidade de Kyoto, se recusaram e repudiaram o pedido. O reitor da Universidade de Shiga também afirmou que a medida era “anti-intelectual”.

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À época, o Conselho de Ciência do Japão emitiu uma nota afirmando que “a academia contribui para a criação de uma sociedade culturalmente e intelectualmente mais rica. Vemos como a nossa missão produzir, aperfeiçoar e compartilhar percepções equilibradas e aprofundadas de conhecimento acerca da natureza, dos seres humanos e da sociedade. Portanto, Ciências Humanas e Sociais fazem uma contribuição essencial para o conhecimento acadêmico como um todo”.

A iniciativa do governo japonês, no entanto, não representou tanta novidade assim no país. A valorização das Ciências Naturais e Exatas em detrimento das Humanas foi uma medida também tomada por um antigo primeiro-ministro, Kishi Nobusuke. Mas o contexto era bem diferente: o Japão estava devastado, e derrotado, pela Segunda Guerra Mundial, e precisava se reerguer com urgência. Médicos e engenheiros tendem a ser mais requisitados do que filósofos em cidades arrasadas.

Embora seja a terceira economia do mundo, o Japão vem passando por um aumento de gastos que poderiam justificar a retomada dessa estratégia em 2015, por causa do envelhecimento da população e da queda no ingresso no Ensino Superior. Reduzindo os investimentos nas áreas de Humanas, os estudantes seriam empurrados para as Exatas. Além disso, um dos outros objetivos era elevar as universidades japonesas no ranking mundial, o QS World University Rankings, publicado pela Quacquarelli Symonds. Atualmente, a Universidade de Tóquio ocupa a 28ª posição e a de Kyoto a 36ª. 

Mas ao que parece, os resultados não foram tão efetivos assim. Um novo texto publicado pelo Ministério da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia, publicado em 2018, aponta que o Japão deverá voltar a investir nas Ciências Humanas a partir de 2020.

O documento deixa claro que é preciso, principalmente, trabalhar com a interdisciplinaridade e reunir especialistas de diversas áreas, inclusive das humanidades e ciências sociais, para promover a inovação e o desenvolvimento. Segundo o texto, mostrou-se necessário fomentar recursos humanos que possam conectar ciência com política. Ele cita ainda a importância das perspectivas históricas e do conhecimento geopolítico.

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Quanto custam as Ciências Humanas no Brasil

Um dos objetivos do ministro da Educação e de Bolsonaro para reduzir o investimento nos cursos de Ciências Humanas, especialmente nos citados por eles (Sociologia e Filosofia), é direcionar esse dinheiro para outras áreas. No entanto, os números do Censo da Educação Superior de 2017, do CNPq, do Capes e outros levantamentos mostra que essa verba “extra” não seria tão relevante assim.

Na graduação, para se ter uma dimensão, apenas 2% dos 1.283.431 alunos das universidades federais cursam Filosofia ou Sociologia. No mestrado e doutorado, dos 66 programas dessas universidades apenas 2,5% são das duas áreas.

No que se refere ao pagamento de bolsas, a área de Ciências Humanas representa apenas 1,4% dos gastos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e Filosofia fica ainda mais atrás, com 0,7%. Já as Engenharias, uma das áreas destacadas por Weintraub como prioritárias, já recebem cerca de 20% do valor total distribuído pelo órgão.

Se a medida for levada à frente pelo MEC, é provável que justamente a pesquisa seja sufocada pelo corte de gastos. Isso porque nenhuma instância do governo pode fechar cursos ou diminuir a oferta de vagas nas universidades, que têm sua autonomia garantida pela Constituição.

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Bolsonaro e o ministro da Educação afirmaram que vão redirecionar o investimento para áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte

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