Durante as oito temporadas de “Game of Thrones” (HBO, 2011-2019), fãs ao redor do mundo todo puderam acompanhar de perto o jogo político entre as famílias reais do reino de Westeros pelo Trono de Ferro. Ao longo dos 73 episódios, os personagens da saga de George R. R. Martin manipularam, guerrearam e, literalmente, soltaram seus dragões em nome do controle soberano do reino. Agora, três anos depois do fim da série original, uma nova aventura chega à plataforma para contar a história de uma casa específica do reino: os Targaryens.
Em “A Casa do Dragão”, o espectador é levado ao passado – mais especificamente, 172 anos antes dos acontecimentos de “Game of Thrones” –, momento quando os Targaryen governavam o reino e ostentavam mais de dez dragões. A produção é baseada no livro “Fogo e Sangue”.
E assim como na série original, o autor dos livros já disse durante o painel da série na San Diego Comic Con que a narrativa é livremente inspirada em eventos da História (esta com letra maiúscula) que aconteceram de verdade.
Na série principal, parte dos conflitos entre as dinastias de Westeros foi inspirada no combate conhecido como Guerra das Rosas, quando as casas de York e Lancaster disputaram o trono da Inglaterra entre 1455 e 1485. Agora, em “A Casa do Dragão”, a inspiração fica por conta da Era da Anarquia, ou simplesmente Anarquia, período que compreende um tenso momento na Inglaterra entre os anos de 1135 a 1153.
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“A Inglaterra, outrora a sede da justiça, a morada da paz, o auge da piedade, o espelho da religião, tornou-se um lar de perversidade, um refúgio de conflitos, um campo de treinamento para a desordem e um professor para todo tipo de rebeldia.”
É assim que o livro Gesta Stephani (algo como “Os feitos do Rei Estêvão” em tradução livre), de autoria anônima, descreve o período da Anarquia inglesa durante o século 12. A obra, contemporânea aos acontecimentos, é uma das principais fontes para investigar esse momento que é considerado pelos historiadores como um dos mais obscuros da Inglaterra.
Mas o que houve de tão grave assim?
Tudo começa com uma crise de sucessão entre os possíveis herdeiros do rei Henrique I. Matilda, filha legítima do rei e imperatriz do Sacro Império Romano-Germânico, e seu primo Estêvão de Blois, sobrinho do rei que tomou o poder após a sua morte, travaram um complexo e sangrento jogo político pelo trono. O conflito entre os dois foi longo, cheio de cercos, reviravoltas, fugas dramáticas e ataques surpresas.
Diferentemente de outras disputas, onde uma única guerra resolveu a questão, o período da Anarquia leva esse nome por conta dos longos embates entre os dois primos. Mas não se confunda: o formato de governo não era uma anarquia. Aqui, estamos falando de uma típica monarquia medieval. O fato é que a instabilidade do reinado de Estêvão, marcado pelas incansáveis investidas contra Matilda, alastrou ondas de terror pelo reino inteiro.
De batalha mesmo, só houve uma: a Batalha de Lincoln, em 1141. Mas foram 18 anos de práticas abomináveis, torturas, massacres, fome e crimes resultantes da sede de poder entre os dois primos. No fim, a vitória pode ser entendida como mista: Matilda nunca assumiu o trono, mas Estêvão, depois de perder o seu filho Eustácio, concordou em colocar o filho da imperatriz como o legítimo herdeiro para selar a paz.
Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE te leva ao passado para conhecer as origem desse violento período: quem foi Henrique I? Por que Matilda não podia ocupar o trono? Como Estêvão tomou o poder?
Problemas à vista
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Entre 1100 e 1135, quem governou a Inglaterra foi o rei Henrique I (1068-1135), também conhecido como Henrique Beauclerc. Ele era um dos filhos de Guilherme, o Conquistador, e passou a vida disputando o trono com seus irmãos. O principal conflito se concentrou entre Henrique e o irmão Roberto II, o mais velho. Após invasões, rebeliões e uma batalha que garantiu que Roberto passasse o resto da vida aprisionado, Henrique finalmente garantiu seu lugar no trono da Inglaterra e da Normandia a partir de 1100.
Com a sua esposa Edite, filha do rei da Escócia, teve dois filhos legítimos: Matilda em 1102, e Guilherme Adelino, em 1103. Seu governo foi marcado por uma centralização e por fortes alianças com o clero, mas sem grandes problemas. É com o filho, Guilherme, que a coisa começa a desandar. Ou melhor, afundar.
Isto porque o jovem era o único descendente masculino legítimo de Henrique. Matilda, a filha, já havia sido prometida desde os oito anos de idade a Henrique da Germânia, o imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Na época, era comum a nobreza ter amantes e relações fora do casamento, e Henrique até teve dezenas de outros filhos bastardos. Mas o único herdeiro masculino, perante a lei, era Guilherme.
E Guilherme morreu em um trágico naufrágio no Canal da Mancha, no dia 25 de novembro de 1120, aos 17 anos – deixando o rei Henrique sem nenhum herdeiro para o trono.
Uma crise familiar
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A crise da sucessão se espalhou rapidamente. Um governo até então considerado forte e severo, passou a ser visto como frágil e prestes a colapsar. Levando em consideração, sobretudo, o fato de que, sem um herdeiro masculino direto, quem assumiria o trono após a morte do rei seriam os filhos dos seus irmãos, com quem tanto discordou durante toda a vida. Em 1121, Henrique decidiu se casar novamente na esperança de engravidar a nova esposa, Adeliza de Lovaina, com um filho homem.
A morte precoce de Guilherme também trouxe novos conflitos e inimigos. O jovem estava noivado com a filha de Fulque de Anjou, do condado de Anjou na França, em um acordo envolvendo um dote milionário. O falecimento de Guilherme fez com que Fulque exigisse o dinheiro e as terras de volta, coisa que o rei Henrique se recusou. A desavença resultou no estouro de uma série de novos conflitos violentos entre o condado e a Inglaterra.
Os anos foram se passando, e as tentativas de Henrique e Adeliza em conceber um novo filho também. A vida do rei sem herdeiro parecia uma contagem regressiva para o caos. Por falta de opção, Henrique passou a procurar um sucessor entre os seus próprios sobrinhos homens, principalmente Estêvão de Blois. Já visando uma possível transição pacífica, o rei garantiu um casamento e boas condições de vida à Estêvão e sua família.
O jogo muda radicalmente quando sua filha, Matilda, casada com o imperador romano Henrique, fica viúva. Colocando Estevão de escanteio, o pai pede que ela retorne à Inglaterra e, quebrando todas as tradições, convida a filha a herdar o trono. Em dezembro de 1126, contra a vontade da maioria dos barões, Matilda é anunciada à corte inglesa como a herdeira legítima do trono de seu pai.
Primo x prima
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Nos anos seguintes, os conflitos continuaram. A decisão de ter uma mulher no trono não agradava a todos. E Henrique logo arranjou um segundo casamento para a filha. Unindo o útil ao agradável, a casou em 1128 com o filho mais velho de Fulque de Anjou, o Conde Godofredo V de Anjou, selando a paz com os Anjou novamente. O casamento não agradou a Inglaterra, e nem o próprio casal, que parecia não se bicar.
Os dois tiveram dois filhos homens em 1133 e 1134, mas a sensação de Matilda era que não tinha mais o apoio do pai, e muito menos da Inglaterra – o casal ficava a maior parte do tempo isolado na Normandia. A relação entre os três só piorou nos últimos anos de vida de Henrique: o rei insistia em não liberar os bens que, por direito do dote, pertenciam à Matilda.
Insatisfeita com o próprio pai, a imperatriz e o marido integraram rebeliões de barões rebeldes contra o exército real.
No dia 1º de dezembro de 1135, o rei Henrique morre aos 67 anos. Matilda e Godofredo não souberam de imediato da notícia, uma vez que estavam em Anjou ao lado dos rebeldes na luta contra o exército. O tempo foi suficiente para Estêvão de Blois (o sobrinho de Henrique que quase foi anunciado como herdeiro) marchar com a sua tropa militar até a Inglaterra, tomar o poder, e se coroar o novo rei.
O irmão de Estêvão, também chamado Henrique, era o bispo de Winchester, o que garantiu o apoio da igreja. Além disso, Estêvão era uma pessoa querida entre a corte do falecido rei. Somando estes dois fatores à rejeição de uma mulher no trono, a posse do novo rei foi concluída sem grandes tropeços.
Apenas 21 dias depois da morte de Henrique I, Estêvão era o novo rei da Inglaterra. A prima Maltida se recusou a aceitar o primo no trono que acreditava ser seu por direito. Começava assim a era da Anarquia.
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