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Entenda o debate histórico sobre a violência em protestos

De Malcolm X a Martin Luther King Jr., os protestos não pacifistas já foram tema de debate para muitos líderes

Por Giulia Gianolla
Atualizado em 5 out 2021, 16h11 - Publicado em 11 dez 2020, 06h00
Multidão em protesto, em frente a um fundo azul.
 (Juliana Vitória/Reprodução)
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Apesar de 2020 não ter sido um ano de muitas aglomerações – obrigada, covid-19 –, um dos marcos deste período foram os protestos. O movimento Black Lives Matter, nos Estados Unidos, mobilizou pessoas ao redor do mundo em prol dos direitos da população negra. No Chile, completou-se um ano de manifestações contra a constituição de Pinochet. No Brasil, o caso de Mariana Ferrer reuniu o movimento feminista nas ruas e o episódio de racismo envolvendo uma rede de supermercados gerou tumulto em novembro.

Ao falar sobre protestos, é frequente a presença de palavras como “violentos” ou “vândalos” quando se trata dos manifestantes. No debate sobre a presença da violência em protestos, é importante entender de onde vem cada linha de pensamento e quais são os ideais por trás de cada tipo de manifestação, seja ela pacifista ou não. 

Distanciando-se da posição de julgar qual a maneira “certa” ou “errada” de protestar, o GUIA traz um retrospecto histórico de alguns líderes políticos e militantes com diferentes pontos de vista sobre a utilização de violência em lutas sociais. Para isso, conversamos com o professor Raphael Tim, que dá aulas de História no Curso Anglo.

Movimentos “violentos” ou “não-violentos”?

A primeira coisa que a gente tem que ter em mente é que tanto a forma de protesto mais pacífica quanto aquela que aceita o uso de violência são tipos de estratégias de luta perante algum objetivo maior”, esclarece Raphael. “Quando se consolida algum movimento social, seja reivindicando a independência de um país, melhorias para os trabalhadores, direitos sociais como um todo, surgem diversas lideranças, diversos tipos de estratégias para atingir objetivos distintos.”

É importante, então, separar os movimentos sociais em si das ramificações de interpretação quanto às maneiras de se protestar. Dentro de um mesmo processo, se desenvolvem vertentes mais ou menos pacifistas. Com isso dito, vamos às referências dadas pelo professor:

Linha pacifista

Para entender a linha de pensamento que é contra o uso de violência física, voltemos ao conhecido Mahatma Gandhi. Ele foi um dos pioneiros da desobediência civil como método de protestos na luta pela independência da Índia do Reino Unido, nos anos 1930 e 1940.

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Por causa da colonização britânica, os hindus ficaram proibidos de produzir o seu próprio sal, sendo forçados a comprar o produto dos ingleses. Em protesto, Gandhi caminhou por quase 400 quilômetros até o mar, com uma manifestação política que ficou conhecida como Marcha do Sal. Sua atitude virou símbolo da luta pela independência, como maneira de resistência não-violenta contra a opressão inglesa. Como explica o professor Raphael, essa linha de pensamento defende que as pessoas “se manifestem, gerem tumulto, mas em nenhum momento entrem em confronto com as autoridades”.

Martin Luther King Jr., nos Estados Unidos dos anos 1960, estudando a filosofia de Gandhi e seguindo influências de sua criação cristã, buscava aplicar a mesma ideia em sua manifestação. Fez discursos contra o racismo, como o famoso “I have a dream”, ajudou a organizar marchas contra a pobreza e a Guerra do Vietnã e ganhou em 1964 o prêmio Nobel da Paz. 

No Brasil, a linha pacifista do discurso pode ser representada pela luta de Chico Mendes pelos direitos dos seringueiros da Amazônia. Em 1975, ele se tornou secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia. Na luta contra o desmatamento, foi um dos líderes dos manifestantes adeptos da tática do “empate”, que eram protestos pacíficos em que os seringueiros protegiam as árvores com seus próprios corpos. 

Mendes ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, liderou o 1º Encontro Nacional de Seringueiros e organizou ações em defesa da posse da terra pelos habitantes nativos, os “posseiros”. No fim dos anos 1980, ele foi premiado pela Organização das Nações Unidas com o Global 500 e recebeu a Medalha de Meio Ambiente da Better World Society, nos Estados Unidos.

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O professor Raphael Tim também cita:  o ativismo de Dorothy Stang (Irmã Dorothy) desde a década de 1970 junto aos trabalhadores rurais da região do Xingu, na Amazônia; a liderança da deputada Marielle Franco contra a violência policial no Rio de Janeiro; e os protestos de Greta Thunberg a favor do meio ambiente. Essas lideranças com diferentes motivações representam o viés pacifista dos protestos, sem que haja confrontos físicos envolvidos.

Outras linhas de pensamento

Nos processos de independência ou de criação de movimentos por pautas sociais, “algumas linhas de pensamento apoiam vieses mais pacíficos e outras aceitam a utilização da violência”, como explica Raphael. “Essa parcela entende que a violência seria, na verdade, uma resposta à violência que o sistema de opressão já imprime a essas pessoas, cada uma em seu contexto.”  

Em contraste com o pensamento de Martin Luther King, por exemplo, há na mesma época, no mesmo movimento contra o racismo, a presença de lideranças como Malcolm X, Angela Davis e os Panteras Negras, que “se preparavam para, caso fosse necessário, utilizar lutas mais violentas e partir para a revolução armada contra o sistema de opressão”, relembra o professor.

Carlos Marighella é um dos principais líderes da luta armada contra a ditadura militar brasileira nos anos 1960. Ele foi cofundador da Ação Libertadora Nacional, organização armada de oposição ao regime.

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Em maio de 1964, Marighella foi baleado e preso por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) dentro de um cinema. Após ser libertado por decisão judicial no ano seguinte, Marighella escreveu “A crise brasileira” e passou a ser adepto da luta armada contra a ditadura. Em 1969, foi assassinado em mais uma emboscada do DOPS, deixando a liderança da ALN para Joaquim Câmara Ferreira, o Comandante Toledo.

Em Burkina Faso, Thomas Sankara foi primeiro-ministro quando o país ainda se chamava República do Alto Volta e era uma colônia da Comunidade Francesa. Ele chegou ao poder poucos anos após ser preso por sua luta anti-imperialista e sua popularidade com a população. No ano de 1983, tornou-se primeiro-ministro e formou o Conselho Nacional da Revolução (CNR), do qual era presidente. No ano seguinte, o país mudou de nome para Burkina Faso, como é chamado hoje, que significa “terra de pessoas incorruptíveis”. Assim, Sankara tornou-se o primeiro presidente do país, cargo que exerceu até seu assassinato, em 1987.

No México, o Subcomandante Marcos é até hoje uma das figuras mais simbólicas da luta armada. Ele é o principal porta-voz do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), movimento indígena armado do sudeste mexicano. O movimento ganhou força ao ocupar alguns municípios em protesto, exigindo democracia e justiça para os povos indígenas. Em paralelo à sua liderança na luta armada, ele tem como uma de suas obras mais conhecidas “A História das Coresé”, um livro para crianças, que ensina sobre tolerância e respeito à diversidade.

“O pressuposto desses grupos, seja nos Estados Unidos ou nas independências latino-americanas, é que essas ações que envolvem violência, conflito físico, seriam a única forma de derrubar as estruturas vigentes”, conta o professor Raphael. “Para eles, um conjunto organizado desses conflitos armados seria a única maneira de quebrar com as instituições de opressão que geram aqueles problemas na sociedade naquele momento.”

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