“Canção para ninar menino grande”: resumo e análise da obra de Conceição Evaristo
A obra, agora cobrada na Fuvest, é um retrato da masculinidade tóxica e do racismo que afeta a sociedade

“Canção para ninar menino grande” é o quinto romance de Conceição Evaristo e foi publicado em 2018. Sua segunda edição reeditada foi lançada quatro anos depois, em novembro de 2022. A obra entrou na lista de leituras obrigatória da para o vestibular da Fuvest 2026, o vestibular da USP (Universidade de São Paulo).
O GUIA DO ESTUDANTE traz abaixo um resumo da obra, além de uma análise dos principais aspectos da narrativa, os temas abordados ao longo do livro e os motivos pelos quais ele se faz tão atemporal – mesmo se passando no tempo das marias-fumaças. Para isso, contamos com a ajuda de Mariana Veiga Copertino, Professora de Literatura do Poliedro Curso Online e doutora em Estudos Literários pela Unesp (Universidade Estadual Paulista).
Confira!
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A história de Canção Para Ninar Menino Grande
Não há como falar de Conceição Evaristo sem falar do conceito de escrevivência criado por ela, que nada mais é do que o embaralhar de vivência e escrita. Este livro, em específico, é uma polifonia, a mistura de várias vozes contando a história de Fio Jasmim, um homem negro galanteador e de beleza exuberante que vive sua vida para seduzir as mulheres – mesmo sendo casado.
Ao final do livro, descobrimos que o sonho de Fio sempre fora ser o Príncipe Negro que não pôde ser na infância, conquistando a maior quantidade de mulheres que conseguir, para se igualar ao seu antigo colega de escola, um menino branco e loiro, que conseguiu o papel de príncipe da Cinderela em uma peça escolar.
Esse trauma, ao lado do machismo estrutural, faz com que as mulheres na vida de Jasmim se tornem apenas objetos de seus desejos carnais e emocionais.
A narradora começa a contar a história de forma não linear, quando Fio Jasmim já tem quarenta e quatros anos e está casado com Pérola Maria desde os vinte – mulher a quem sempre traiu, mas que nunca acreditou nas histórias a respeito da infidelidade.
É possível dizer que a personagem secundária mais importante do livro é Juventina Maria Perpétua, cuja vida se cruzou com a Fio Jasmim quando ela tinha apenas 18 anos de idade e logo se tornou a amante dele.
“As mulheres da narrativa não são apenas vítimas ou coadjuvantes da jornada de Fio Jasmim; elas são sujeitos ativos de sua história, têm sonhos, angústias, projetos, e cada uma representa um universo simbólico que amplia a reflexão do leitor sobre identidade, gênero, classe e raça.”, comenta a professora de literatura.
Os nomes das personagens são tão relevantes para a história quanto suas narrativas. Pérola, aquela que era a escolhida, Perpétua, aquela que ficou mais tempo ao lado de Fio, Distinta, aquela que ele não cortejou (e que era lésbica).
Passamos a saber nos últimos capítulo do livro como algumas das histórias dos amores de Fio Jasmim chegaram à narradora anônima: foi por meio de Eleanor Distinta de Sá, uma mulher que estava sozinha em um bar e acolheu as dores de Fio, quando ela mesma estava sofrendo.
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A narradora de Canção Para Ninar Menino Grande
Em “Canção para ninar menino grande” temos uma narradora-contadora de histórias. Ela nunca conheceu Fio Jasmim pessoalmente, apenas através do círculo de mulheres que compartilharam suas histórias de amor com ela – a quem ela chama de amigas confidentes. Nunca somos apresentados ao seu nome, ela é anônima, e está escrevendo o livro que temos em mãos.
Uma leitura desatenta pode fazer confundir a narradora com a própria Conceição Evaristo, já que a personagem cita a escrevivência no prefácio do livro. Porém, sempre é importante separar o autor de uma obra do narrador, já que este último sempre será um personagem.
A narradora sem nome e sem rosto, que usa a primeira pessoa do singular, diz logo no início que ouviu as histórias que vai contar de outras personagens que cruzaram com Fio Jasmim durante suas vidas: Juventina, Aurora, Antonieta, Dolores, Dalva, entre outras que ultrapassam os arquétipos da figura feminina literária.
Entre todas elas, há um grau de sororidade que cria uma rede afetiva de mulheres, que se opõe ao abandono e à solidão que as conecta.
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O tempo da obra
As histórias narradas no livro não acontecem de forma linear, apesar de todas estarem no passado. A narradora começa dizendo que o personagem principal, Fio Jasmim, já tem quarenta e quatro anos e desde os vinte é casado com sua esposa, Pérola Maria. A partir daí, voltamos à juventude dele e aos encontros com as mulheres que protagonizam sua vida.
Também não sabemos em que momento da História os acontecimentos se passam. O que o leitor sabe é que os romances de Fio Jasmim acontecem durante suas viagens à trabalho como maquinista em uma maria-fumaça, quando o transporte de pessoas já estava perto do fim. Ou seja, é possível que as histórias do livro ocorram aproximadamente nos anos 1960.
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Outros personagens de Canção Para Ninar Menino Grande
- Pérola Maria: a escolhida de Fio Jasmim para se casar, o maior prazer dela é ter filhos com seu marido;
- Juventina Maria Perpétua (Tina): a amante fixa de Fio Jasmim, que não deseja se casar nem ter filhos com nenhum homem;
- Neide Paranhos da Silva: a mulher que nunca queria se casar, mas queria ter um filho, escolhe Fio Jasmim como o caminho para realizar seu próprio desejo;
- Angelina Devaneia da Cruz: a mulher que sonhava em se casar e que, por um mal entendido, recebe promessas de amor de Fio Jasmim, que a deixa. Ela comete suicídio logo depois;
- Aurora Correa Liberto: a mulher livre que amava se banhar nua em um rio de sua cidade natal, ela nunca se entregou a nenhum homem a não ser Fio Jasmim;
- Antonieta Véritas da Silva: a mulher mais velha e independente que deixava Fio Jasmim nervoso perto dela, mas com quem, mesmo assim, ele teve um filho;
- Dolores dos Santos: a mulher dona de uma loja de joias que se sentiu ofendida por Fio Jasmim oferecer a ela um dos anéis que ela mesma estava vendendo. Com ele, tem duas filhas gêmeas. Temendo que as meninas cresçam sem o pai, Dolores decide se vingar de Jasmim indo atrás da esposa dele. Entretanto, desiste da vingança ao perceber que com isso as filhas podem acabar crescendo também sem uma mãe;
- Dalva Amorato (Dalva Ruiva): uma mulher rica e mais velha que Fio Jasmim que deixou um antigo casamento para cursar Farmácia. Com Jasmim, tem três filhos que espera apresentar ao homem um dia;
- Eleonora Distinta de Sá: uma mulher lésbica com quem Fio Jasmim cria uma amizade e um laço de cumplicidade. Com ela pode compartilhar suas dores e chorar sem ser julgado.
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As mensagens do livro
Neste breve romance de 134 páginas, Conceição Evaristo propõe uma reflexão sobre a construção da masculinidade, o impacto do racismo estrutural e a temática da solidão afetiva.
Fio Jasmim é um personagem construído como símbolo de um desejo frustrado: ele é um homem negro belo e desejado, mas que carrega a dor de nunca ter sido reconhecido como “príncipe”. “Esse trauma se traduz em sua vida adulta como uma busca incessante por validação através da sedução e da performance viril”, elabora a professora.
Sem se passar em um lugar só, já que a narrativa acompanha o trabalho como maquinista de Fio Jasmim, o livro trás diversos contextos históricos e sociais. Exemplo disso é a família de Neide, uma das amantes de Fio, que conservou o sobrenome “Paranhos”, herdado dos tempos da escravatura quando as pessoas escravizadas perdiam seus nomes africanos.
A obra também passa brevemente pela perda da juventude através de responsabilidades impostas, como a necessidade de Angelina assumir sua sétima irmã mais nova como uma filha após o suicídio da mãe.
A obra também falará sobre suicídio por meio dessa mesma personagem, que se mata após ser abandonada por Fio Jasmim. Outro tema que aparece nesta mesma história, mas também durante toda a narrativa do livro, é a centralização do homem na vida da mulher. Angelina, em dado momento, estava “esquecida de tudo que ela mesma tinha gerado antes e sozinha”.
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Mais adiante, na narrativa de Aurora, Fio Jasmim acaba se distraindo com a jovem e faz o trem perder a hora. Nesse momento, é citado como pode haver na indústria todos os erros maquinários, mas nunca o erro humano, uma mandatória do capitalismo.
Por fim, vemos como a masculinidade tóxica e o machismo também afetam diretamente os homens, quando Fio Jasmim conhece Eleonora e finalmente consegue se abrir sobre os seus sentimentos. É quando ele finalmente fala sobre as dores que carrega da infância até a vida adulta.
Durante a leitura, somos levados a entender que Fio Jasmim não se importa com nenhuma das mulheres com quem se relaciona, exceto quando ele começa a falar sobre Juventina. Ele se sente incomodado sobre como ela não parece se importar em ser apenas usada, sem nunca pedir nada em troca – como se não fosse possível uma mulher também apenas sentir prazer.
“Conceição Evaristo mostra como esse estereótipo pode ser destrutivo para os próprios homens e para todos que estão ao seu redor”, conclui Copertino.
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Segundo a professora, para o vestibulando que se prepara para a Fuvest, é importante observar:
- O papel da narrativa feminina e da escrevivência como forma de resistência e reconfiguração do protagonismo na literatura;
- A crítica ao racismo estrutural e ao machismo, não apenas como temas, mas como forças estruturantes da vida dos personagens;
- A linguagem poética e sensível de Conceição Evaristo, que associa lirismo e reflexão social, criando um estilo único e inovador, o que é caro à literatura contemporânea;
- A importância da obra para o cânone contemporâneo, sobretudo pela valorização da diversidade de vozes, gêneros e experiências na literatura brasileira.
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A autora
Conceição Evaristo é uma das maiores personalidades da literatura contemporânea brasileira. Nascida Maria da Conceição Evaristo de Brito em Belo Horizonte (MG), em 1946, a escritora vem de uma família pobre e cresceu na favela de Pindura Saia, cercada de mulheres cozinheiras, faxineiras e empregadas domésticas. Segunda filha mais velha de nove irmãos, ela vivia ouvindo histórias da mãe e das tias, incluindo relatos sobre a escravização.
No início da década de 1970, Conceição se mudou para o Rio de Janeiro e se formou em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Trabalhou como professora da rede pública de ensino da capital fluminense e, em 1996, se tornou Mestre em Literatura Brasileira pela PUC do Rio de Janeiro, com a dissertação Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade (1996). Em 2011, concluiu o doutorado em Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense (UFF), com a tese Poemas Malungos – Cânticos Irmãos.
Sua estreia na literatura foi em 1990, quando passou a publicar seus contos e poemas na série “Cadernos Negros”. Desde então, já escreveu uma série de livros e seus textos conquistam um público cada vez maior. Algumas obras já foram traduzidas para outras línguas, como francês e árabe, e ela participa de publicações na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos.
Em 2018, ela recebeu o Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais pelo conjunto de sua obra e, em 2019, foi homenageada como Personalidade Literária do Ano pelo Prêmio Jabuti.
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