Há cinco anos, um vídeo de oito minutos publicado no Youtube foi o estopim para uma discussão sobre canudos e poluição que ecoou pelo mundo todo. O sofrimento de uma tartaruga ao ter um canudo removido de dentro do nariz por biólogos marinhos despertou a atenção de muita gente para um problema gigantesco de poluição marinha – que justiça seja feita, não entra apenas na conta dos canudinhos plásticos.
A questão é que embora sua parcela de culpa seja, comparativamente, pequena – mais especificamente 0,03% de todo o plástico dos oceanos, de acordo com dois pesquisadores australianos – ativistas acreditam que a discussão sobre canudos funcionou como gancho para um debate maior em torno da produção e descarte de plástico. Aos poucos, iniciativas no campo institucional que começaram com a proibição apenas do canudo em algumas cidades e estados (como Seattle, nos EUA, e o Rio de Janeiro aqui no Brasil) se expandiram para, por exemplo, a proibição de outros resíduos como cotonetes, copos, pratos e talheres de plástico em todos os países da União Europeia, medida que deve entrar em vigor até o ano que vem.
E, para adaptar-se a essa nova realidade, a ciência tem liderado a busca por alternativas mais sustentáveis. Depois dos canudos de papel, do famoso “sorbos” (um canudo comestível) e até dos reutilizáveis de metal ou bambu, pesquisadoras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet MG) parecem ter descoberto a alternativa mais barata e durável para os brasileiros. Trata-se de um canudo feito de amido de mandioca, que além dessas vantagens para comercialização, “degrada em qualquer ambiente e é biocompatível, ou seja, mesmo antes de degradar já não agride os animais marinhos”, explica a engenheira de materiais da UFSCar Alessandra de Almeida Lucas, uma das responsáveis pela criação.
O canudo de amido de mandioca sonhado por Alessandra, no entanto, não nasceu já sob medida, e precisou da ajuda de outros pesquisadores e de investimento científico para chegar ao que é hoje.
A interdisciplinaridade faz a força
Alessandra tem uma longa trajetória na Engenharia de Materiais e também na UFSCar. Depois da graduação em Engenharia de Materiais com ênfase em polímeros, ela conclui também seu mestrado e doutorado por lá, todos na mesma área. Enquanto isso, em Minas Gerais, Patrícia Santiago de Oliveira Patrício trilhava um caminho na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que também a direcionava para os estudos de polímeros: com graduação em Química e doutorado em Físico Química, desenvolveu pesquisas junto ao Laboratório de Polímeros e Compósitos da universidade.
Cada uma estudava o assunto sob a perspectiva de sua área de formação, mas não imaginavam o quanto seus estudos poderiam ser complementares e ajudar no desenvolvimento de um produto sem precedentes.
Antes de conhecer Patrícia, Alessandra já tentava desenvolver um canudo sustentável a partir do amido de mandioca, mas tinha dificuldades em obter um produto com durabilidade e que não desmanchasse em contato com líquidos. Foi um encontro promovido pelo Instituto Midas de Tecnologias Ambientais para a Valoração de Resíduos e Materiais Renováveis, vinculado ao CNPq, que uniu as expertises da engenheira às da química. “Naquela reunião, eu apresentei os avanços que já obtivera com o amido da mandioca, registrando que ainda faltava deixá-lo mais estável. E a Patrícia, que até ali eu não conhecia, tinha a solução”, contou a engenheira em uma entrevista ao site São Carlos Agora.
Patrícia já dominava alguns processos de modificação química do amido para torná-lo mais resistente, com o uso, por exemplo, da glicerina. Ela também conseguiu reduzir significativamente o uso de outros tipos de polímeros na mistura que forma o canudo, alcançando uma porcentagem final de 70 a 90% de amido. Essa alteração foi importante para reduzir o custo final do produto, já que esses outros componentes são mais caros.
Por fim, ao final das modificações, ela testava a resistência desse novo amido modificado pingando uma gota de água e observando por meio de uma câmera o tempo de dissolução. O produto final, conhecido como Amido Termoplástico Granulado, era enviado de volta à UFSCar para a fabricação do canudo.
Próximos passos
Nos laboratórios da Ufscar, a produção dos canudinhos de amido de mandioca já está a todo vapor. O material vindo da Cefet passa por uma máquina que transforma o amido granulado em fitas parecidas com espaguete, que depois são colocadas em um outro equipamento que molda os canudos e os resfria para solidificar.
Até o ano passado, o plano das pesquisadoras era apresentar um produto final para produção em escala industrial ainda em 2020. A ideia não é tão ambiciosa quanto parece, já que todo o processo foi acompanhado por uma empresa interessada em colocar o canudo desenvolvido por elas no mercado. Agora, Alessandra e Patrícia sonham mais longe: “é preciso registrar que com pequenos ajustes é possível otimizar o material para outros produtos descartáveis”, afirmou a engenheira em entrevista.